UNIVERSIDADE DE MACAU UNIVERSITY OF MACAU Este livro foi oferecido por This book is a gift from Escola Secundaria Dom Bosco 21 Junho 1999
J. J. MONTEIRO DE V O L T A A M A C A U TIPOGRAFI "SIO SAGN PRINTGIN PRE"SS RUA DA PALHA, No. 9 MACAU —1957
Nove anos em Macau Estive como soldado; Passei o bom e o mau, Mas nao importa o passado. £ que se eu fosse a contar Coisas tao tristes de ouvir, Punha ja tudo a chorar. E mais lindo e ver-vos rir. Nada vos digo da guerra, So porque odeio esse nome Que espalha por toda a terra 0 luto, a peste e a fome. Mas se, um dia, eu tiver vida E tambem engenho e arte, Hei-de uma historia comprida Esorever sobre o deus Marte. Hoje nao, porque me falta A veia sentimental, E para alegrar a malta Vou-me tomar jovial. Logo ao terminar a guerra, No barco "Colonial" Deixei esta linda terra Com destino a Portugal. Magro como um carapau, So ossos e que eu levava, Deixando ca em Macau A carne que me faltava. E a i n d a m u i t o a m i m p r e s o , Um b r aQO a o p e i t o a doer; E t a m b e m , p o r c o n t r a p e s o , O s filhos m a i s a m u l h e r . E por ter muita piada, Por muita piada ter, Eu vou da minha abalada Um resumo aqui fazer. Quem espera desespera. E a sonhar com Portugal, Desesperei-me a espera Do barco "Colonial". NOVE ANOS EM MACAU
Vem hoje, vem amanha, Vem logo, mais a tardinha; E nesta esperanca va, 0 barco nunca mais vinha. Com tristeza e nostalgia. Bem dizia o povo inteiro: Que o barco so chegaria Num dia de nevoeiro. E foi o que aconteceu; Numa manha sem alvor. 0 barco la apareceu, Mas nao SP lhe via a cor. Teve o barco de ficar Para perto das "nove ilhas", E quem o foi visitar Andou tambem nove milhas. Isto de lanchas e "tanoar", Porque se algum fosse a nado, Nao teria mais pesar, Mas morreria afogado. E 0 que a gente, na verdade, Desejava nessa altura, Era matar a saudade, Ter um pouco de Ventura. A distancia era longa. E como longa que era, Havia aquela delonga Que arrelia e desespera. Portanto, ate em barquinhos, Muitos iam de Macau A bordo provar OS vinhos, 0 chourifo, 0 bacalliau. Devido a maldita guerra, Vinho e muita coisa boa, Desapareceu da terra Tao distante de Lisboa. Durante o triste flagelo, Alem so dos "vinhos chinas", Fubricadus a martelo, Comidas sem vitaminas. Arroz branco, ou mesmo ne/e, Era o pratinho do dia, E as vezes, na falta dele, Ate milho se comia. Portanto, que vos parece? Ao vir o "Colonial", Foi como se ele trouxesse Consigo o bom Portugal. E logo em tao boa altura, P' ra que pudesse este povo Festejar com mais Ventura 0 Natal e o Ano Novo. Sim, porque o "Colonial", Como certos estareis, Chegou ca pelo Natal Do ano "quarenta e seis". Ca por mim tao certo estou, Que ainda hoje me lembro Do dia em que ele chegou: A "vinte e dois de Dezembro". Agitado estava o mar; As lanchas eram chocalhos; P' ra o barco descarregar Foi o cabo dos trabalhos.
Muita pena ainda sinto (E quem nao a sentira?) Desses garrafoes do "tinto" Que se partiram por la. Foi bem custosa a descarga ! Comes-e-bebes p'ra ca, Seguindo entao como carga Muitas malas para la. Os poroes bem atulhados De fardos, malas, caixotes; E nos tambem transportados Para OS nossos camarotes. Melhor e nada dizer Sobre esta nossa partida, Para OS nao entristpcer Com a minha despedida. Lagrimas sao tempestadeg E nos ja sabemos bem, "Que quem vai leva saudades, Quem fica saudades tern" So digo que, ao abalar, Com pena de muito amigo, Saudades deixei fiear, Saudades levei comigo. DE MACAU A PORTUGAL No dia "dez" de Janeiro, Assim, de ca abalei, Bem dando um romance inteiro 0 que mais vi e passei. 0 Doutor bem me fazia Dietas ca p'ra a barriga, Mas eu e que ja nao ia Naquela sua cantiga. Mas eu, para nao fazer Logo aqui duas historias, Uma guardo p'ra escrever No meu Livro de Memorias. A ferida bem purgava, Bem me fazia sofrer, Mas la deixar, nao deixava De comer e de beber. Apenas, e de passagem, Digo que o "Colonial" Levou meses de viagem A chegar a Portugal. Minha mulher nao bebia, Os meus filhos tambem nao, E era eu que me batia Com mais aquela porjao. E eu sempre de brafo ao peito, Sempre aos ais, sempre a gemer, So me achava satisfeito Sentado a mesa a comer. Andava sempre tocado, Sem nunca enjoar a bordo, No meu andar ja tombado De bombordo p'ra estibordo.
Se te parece ! . . . amiguinho, Tantos anos em Macau, Longe do nosso bom vinho E do belo bacalhau ! Mesmo a sofrer, a penar, Sem querer saber de lerias, Nao deixei foi de tirar A barriga de miserias. Farto, alegre e temulento. La me escapei, amiguinhos, De ir servir como alimento A barriga dos peixinhos. 0 vinho deu-me coragem P'ra resistir ao meu mal, Nesta tao longa viagem De Macau a Portugal. CHEGADA A LISBOA Em vistas do meu bracinho, Eu pouco ou nada engordei; Mas foi ja mais coradinho Que eu a Lisboa cheguei. Isto so por lhe causar Muita pena o meu estado, E tambem por eu levar Uma chinesa ao meu lado. E ao ver-me la, em Lisboa, Que bem parece um jardim, Nao faltava gente boa A olhar so para mim. Dava mesmo a impressao Que era um Undo par de jatras, Que das Terras do Dragao Vmha ao Pais das Guitarras. A BONDADE Andei la por muita terra, So ouvindo : — Coitadinhos ! . . . Um mutilado da guerra ! . . . Uma china e dois chininhos ! . . . A mulher e aos filhos meus Todos chamavam chineses; 0 que eu passei sabe Deus, Bern chorava e ria as vezes. DA NOSSA GENTE Chorava de comovido, Quando, por sorte, encontrava Alguem que, compadecido, Me via e me auxiliava. E uma alma agradecida Pela esmola que lhe dao, Chora sempre comovida De alegria e gratidao.
Sem vergonha 0 digo aqui, Porque e justo e verdadeiro, De maos boas recebi Muitas roupas e diliheiro. Fazer bem a quem precisa, Diga-se, pois, com franqueza, Foi sempre a santa divisa Desta geute portuguesa. Vendo-me de brago ao peito E cara de sofrimeuto, Fosse quem fosse o sujeito, Em dar nao era avarento. E, as vezes, acontecia Procurar e nao saber, A pessoa a quem devia Tanto bem agradecer. La me vinha um filho meu C'o uma quantia na mao, Sem eu saber quem rha deu, Quem era o bom coragao. Almas ha que sao assim Amigas de bem-fazer, Que se ocultam com o fim De ninguem as conhecer. Tem de Deus a proteccao Quem da com a mao direita, Sem que a outra sua mao Veja a merce que foi feita. E nos que o bem aceitamos Dessa oculta e nobre mao, De certo que a abengoamos, A chorar de gratidao. E a chorar eu tambem ria, Porque achava muita graga A quem passava e dizia: — Estes sao chinas de raga. Primeiro olhavam p'ra mim, Para OS filhos e mulher, E procuravam por fim 0 que queriam saber. De onde sao, de onde vem? Perguntavam com bons modos; E com bons modos tambem Satisfazia-os a todos. Certa vez (foi num comboio), la eu p'ra Sacavem, Quando um ingenuo saloio Assim me disse tambem: — Desculpe-me o cabalhero De eu xer axim la da berga, E tambem bisbilhotero Por me meter na comberga. E p'ra nao ir espnntado, Xem xaber se xan chineses, Neste banco aqui prantado A olhar p'ra voxemeceses. Ja tenho bindo a cidade Mas confesso com franqueza, Que nunca bi na verdade Uma prefela chinesa! E que me lebe o diabo Mais a xua corte junta, Mas em mim e que nao caibo Xem fajer-lhe uma pregunta.
Xeus filhos e xua espoisa Xdo chineses que eu ja bi, Mas contudo ha uma coisa Que eu inda nao prexebi! Porque, xem xer atrebi'lt), Que voxe nao e igual ? E tem o nariz comprido Como nos Pin Portugal ? ! . . E toda aquela gentinha Pegando-lhes pela mao, Perguntava, em voz baixinha, Se eram chineses ou nao. Me us filhos, por sua vez, Respondiam francamente: — Nenhum de nos e chines, Mas Portugueses somente. Vendo que 0 pobre saloio Me tomava por chines, Fiz ver ao grande maloio Que eu era bem portugues. —Meu pai, assim como vos, Nasceu ca em Portugal; E de Macau sotnos nos, Portugueses tal e qual. P'ra mais ficar a saber, Ali lhe disse eu ainda Que OS filhos mais a mulher Eram desta Macau linda. Resposta muito inocente, Mas que deixava encantada Essa curiosa gente, Afinal bastante dada. Fui p'ra ele tao modesto, Que encantado o bom maloio Nos meteu por fim no cesto Um lindo queijo saloio. Pois quer fosse da cidade, Quer fosse la da parvonia, Curiosos, na verdade, Eram bem, sem cerimonia. Meus filhos, sem me gabar, Ja por mim muito ensinados, Eram sempre, no falar, Humildes e dslicados. Respeitar sempre OS mais velhos, E a toda a gente em geral, Eram estes meus conselhos Cheios de amor paternal. E assim pelas ruas fora, Mirones e tagarelas, Magavam-me a toda a hora Com perguntas e olhadelas. E como nunca deixasse De lhos dar todos OS dias, Fez isso com que eu criasse Amizades, simpatias. Se os meus filhos, desviados Vinham dos pais estremosos, Logo eram rodeados Por bastantes curiosos. Levei muito trambolhao, Mas tambem sempre encontrei, Muito amigo e protecgao, Por onde andei e passei.
Porem, leitor amiguinho, Contar tudo e que eu nao fago, Porque isso em vez dum livrinho Daria algum calhamago. So te digo—e e verdade— Muito resumidamente, Que encontrei muita bondade Enquanto estive doente. DE BRACO AO PEITO Sempre com o brago ao peito, Sem poder dormir as vezes, A ma gangrena sujeito Andei eu meses e meses. Corri muitos hospitais, Militares e civis, A sofrer cada vez mais E por fim la fui feliz. E bem feliz, pelos modos, Porque esta era a opiniao Dos medicos quase todos : Fazer-me uma amputagao. Toda a cura do meu ma Era o liracinlio cortado; Como nunca fosse em tal, Tive sorte e estou curado. Bem profunda cicatriz Me ficou ca por sinal, Mas tambem so por um triz Me livrei de ir p'ra o coval. Verdade e que OS boateiros Ca por morto ate me deram, Mas OS vermes lambareiros Inda la me nao quiseram. Que lhe dava um esqueleto, Metido entre quatro ripas, Ja comparado a um espeto Daqueles de virar tripas ? ! Sem la ir cair de borco, Resists as minhas dores; Por fim, sem chegar a porco, Engordei e criei cores. Mas dou gragas aos bons vinhos, A farturinha de tudo, E as protecgoes e carinhos Do Governo, sobretudo. Foi quem muito me valeu Do princfpio ate ao fim; Se assim nao fosse, Deus meu, o que seria de mim ? Primeiramente ali estive Mais a minha boa gente, Num lugar onde se vive Feliz, alegre e contente. Na Costa da Caparica, FNAT —UM LUGAR AO SOL, Onde o mar pertinho fica E onde canta o rouxinol.
Foi uma estadia boa E quando veia o inverno, Numa pensao, em Lisboa, Nos hospedou 0 Governo. Muito caro se tornando Isto ao Estado Portugues, Arranjei casa, fieando Com mil escudos por mes. Fui morar p'ra Sacavem, Arredores de Lisboa, Onde me dei muito bem Entre aquela gente boa. Pois enquanto ali morei Criei muitas simpatias, Rebusteci-me, engordei, E passei bons e maus dias. EU E O BURRO Finalmente, ja curado, A "pensao'' foi-me tirada, Dando-me ainda 0 Estado "Tres contos" duma bolada. Quando 0 mandava parar Era um burrinho a galope, E quando o mandava andar Era sinal — ALTO ! . . . STOP. Comprei um burro e cangalhas Para vender hortaligas, Mas foram muitas as falhas. Nao ganhei para as nabigas. Mas o seu maior defeito Era ver-me distraido, Para logo satisfeito Se deitar todo ao comprido. Burrinho teimoso e feio Que me custou cinco nolas, Deixando-me um saco cheio De historias e de anedotas. Quando lhe dava a preguiga, Via por minha desgraga, Tomates, fruta, hortalica No chao tudo feito em massa Muitas delas ja contei, Outras tenho p'ra contar; Mas agora narrarei A que esta mesmo a calhar. Aconteceu que, uma vez, Ao passar numa avenida, Quis atender um fregues Pregando-me ele a partida, Punha tudo de cangalhas 0 burrinho preguigoso, Amigo de fava e palhas, No andar muito teimoso. Vendo o burro ja no chao E a fazenda a rebolar, Enchi-me de indignagao E dei-lhe ate me cansar.
—Nao bata assim 110 burrinho, Diz-me alguem la da janela: E logo um policiazinho Me agarrou pela lapela. Polfcia rude e trombudo Que em voz alta assim me ladra: —Vai ja voce, burro e tudo, Comigo ali para a Esquadra. Eu bem me quis desculpar, Contar-lhe a manha do burro, Mas tive que me calar, Porque o tipo era casmurro. Ambos, entao, com jeitinho, Agarramos para as costas Do meu manhoso burrinho, Nas cangalhas ja compostas. Quando as tinhamos ao alto, Quase postas na albarda, Foge o burro, dando um salto, lndo a carga aos pes do guarda. E foi tao grande a pancada Que a gemer de pe 110 ar, Nao deitou mais mao a nada, Tendo eu so que me arranjar. 0 burrinho aparelhado, La tive que o acompanhar, Eu bastante arreliado E ele sempre a manquejar. Mas ao virar duma esquina, Diz-me ele menos zangado: —Maldita a minha ma sina; Para o que estava eu guardado ! —Reparou nessa senhora Que estava ali a janela ? Faz parte da Protectora, Muita cautela com ela ! —Agora va la em paz, Porem, tome cuidadinho; Em vez de voltar p'ra tras, Siga por outro caminho. — Dou-lhe razao a voce. o burrinho p mariola. Se nao fosse ca porque, Da.va-lhe um tiro na tola. Na altura em que me aleijou, Deu-me vontade de faze-lo. Maldito que me deixou A rosea dum tornozelo. A resposta ao sell discurso, Deu-a o meu burro a zurrar. E ele, entao, pior que um urso, Depressa se pos a andar. Como igual me fui ligeiro, Dou o conto por completo, Ja que "o BURRO DO MONTEIRO" mais um livro em projecto. Por hoje ja viram bem Que o meu burrinho nascera Um desastrado, e tambem Amigo de fazer cera. Na maior velocidade, Bem depressa o despachei, Ate mesmo por metade Do dinheiro que o comprei.
MINHA VIDA EM PORTUGAL Para ver se a coisa dava, Empreguei-me nam patrao; Onde para mim ganhava, Mas para OS meus e que nao. Cansado ja de sofrer E de passar sacrificios, Passei logo entao a ser Um homem dos sete ofi.ios. Eu engraxava, eu pescava, Eu fazia criacao, Eu a tudo me agarrava Para ganhar o men pao. Trabalhando noite e dia, Quase nunca descansava. E o dinheiro liao crescia; Mas, ao menos, ja chegava. Estranha, a minha mulher, A este viver tao mail, Comegou-me a convencer De voltar para Macau. Falou-me em frases tao ternas Que eu tomando o caso a serio, Segui no comboio das pernas Logo para o "Ministerio". Por muitas portas eiltrei, Por muitas portas sal, Quase careca fiquei Das toladas que bati. C'o meu pouco expediente Consegui o que queria. E depois, muito contente, Aguardei o feiiz dia, Muito custou a chegar, Mas como OS mais atrevidos, Nao me deixei embalar Sobre OS loiros ja colhidos. E eis que um dia, em Sacavem, Fiquei doido e ate zaranza, Quando aviso i s maos me vem Para embarcarmos no "Quanza". Dia de grande alegria. Ate para o festejar, Alidei na cojxifonia E fiz um lauto jantar. Nao quis saber mais da graixa, Tendo logo alguns herdeiros Que me ficaram c'o a caixa, Redes e camaroeiros. Ate mesmo dois chavecos Foram tambem no balao, Desfiz-me dalguns tarecoa E vendi a criagao. Prenarei as minhas malas E por nao ter quase chela. Do "Ministerio" busca-las Me veio uma caminheta. Metendo-me mais os meus Na caminheta tambem, La parti, dizendo adeus A todos de Sacavem. A tristeza e pena e pranto Que nos poe sempre um embargo, E eu para a nao sentir tanto, Pus meu coracao ao largo.
Uma lagrima teimosa D'agua encheu-me um olho raso, Mas, como gente ranhosa, Assoei-me e nao fiz caso. De volta a Macau me via, 0 que ja bastava, enfim, P'ra sentir mais alegria Que tristeza de.itro em mim. Mas ao chegar a Lisboa, Entre apitos e assobios, 0 navio la foi de proa E eu fiquei a rer navios! Senti-me tao infeliz, Quando na ultima hora Parte o barco e nos, civis, Ficamos postos de fora. Como "transporte de guprra", La se foi muito em segredo, E a nos deixou-nos em terra, Tristes, a ehuchar no dedo. Perguntei entao a Deus, Qual seria a minha sorte, Quando me vi mais OS meus Sem casa, vida e sem norte. Mas Deus que e todo bondade, Quis depressa que eu tivesse A grande felicidade De encontrar quem nos valesse. Alma generosa e boa, Que sempre tao bem nos fez, Desde que ali em Lisboa, Nos viu p'la primeira vez. Uma senhora de bem E funcionaria do Estado, Que foi mais do que uma mae P'ra quem lhe esta obrigado. 0 seu nome nao relato Que era ofende-la, talvez; Basta que eu lhe esteja grato Pelo bem que por nos fez. Sem ela seria mau, Porque a ela lhe devemos, Nossa vinda p'ra Macau E as protecgoes que tivemos. A gente nao embarcou: Mas ela, bondosa e doce, Logo depressa arranjou Para onde a gente fosse Nossas malas de porao, Foram postas a guardar Na velha arrecadagao Do Quartel do Ultramar. E nos entao, por resgate Da desilusao sofrida, Para a praia da FNAT, Fomos de novo, em seguida. Praia linda e bem formosa Da Costa da Caparica, Onde as suas ferias goza Gente pobre e gente rica. Mar belo de aguas de prata A desdobrar-se na areia, A par duma fresca mata De beleza toda cheia.
Rico pavilhoes bastantes Se estendem p'la mata fora; Tocam OS altos falantes E ha risos a toda a hora. Uma capelinha ao meio De canteiros rodeada. E um parque onde, sem receio, Folga alegre a meninada. Ha so essencia e frescura Na Mata da Caparica, A par com a aragem pura Do mar que pertinho fica. De manha que lindo e ver, Por entre OS frescos caminhos, Gente p'ra a praia a correr, Assustando OS passarinhos. Tudo e encanto e magia ! Vive-se ali tao a gosto, Que so existe alegria Estampada em todo o rosto. Ate de parte a etiqueta Poe toda a gente da elite; Quando badala a sineta, Porque nao falta o apatite. As mesas do refeitorio Que a linda FNAT tem, Em alegre falatorio, Come-se e bebe-se bem. Ali nao se olha a miserias: A comida e a vontade. Quem e magro, ao fim das ferias, Sai com barriga de abade. Ate mesmo OS meus miudos, Que sao todo 0 meu encanto, Se tornaram rechonchudos E eu ca nunca engordei tanto. A minha propria mulher, Que a comer era uma loba, Quase que chegou a ter De peso, a mais, uma arroba! Porem, um tal parai'sc, Com tanta frescura amena, So porque assim foi preciso, Durou pouco, o que foi pena. FNAT, um ceu no Verao; Mas quando chega o Inverno, A chuva, o vento, 0 trovao, Quase que a tornam inferno. Quem nos fez levantar ferro, Foi o rei dos temporais", Que faz daste eden, desterro Dalguns guardas florestais. E foi isto, na verdade, 0 que nos fez, pois, deixar, Com muita pena e saudade, Esse tao lindo lugar. E eis-me, de novo, em Lisboa, Com OS meus atras de mim, A viver um pouco a toa; Mas com sorte, mesmo assim. Valeu-me, gragas a Deus, Algum dinheiro que tinha, Para dormir mais OS meus, Numa pensao baratinha,
A comida era de graga, Gragas a mesma senhora, Que foi na nossa desgraga Sempre a nossa salvadora. Para nos depressa pede, Esta alma liobre e boa, Para comermos na sede La da FNAT, em Lisboa. Igualmente alojamento Nos achou ela tambem; Nao descansou um momento Enquanto nao nos viu bem. Alojados, afinal, Fomos da melhor maneira, La na Brigada Naval, Refeitorio da Junqueira. Um refeitorio excelente, Comodo, farto e abundante, Chamado por muita gente A Ca;a do Emigrante. Pelo seu bom trato e prego, P'ra ali vem a toda a hora Emigrantes de regresso E outros que vao, terra fora. As vezes chega a estar cheio Sem ter vago um so lugar, Quando grupos em passeio Ali se vem hospedar. Dali sai em caminhoes, E tambem em padiolas, A comida em caldeiroes Para todas as escolas. Refeitorio que tambem Fornece almogos diarios, A todos mais que ali vem, Na maior parte operarios. Bastante tempo olvidado, Mas sem nada me faltar, Aqui estive hospedado Sempre a espera de embarcar. E como passaram meses Sem haver qualquer mudanga, Cheguei eu, por muitas vezes, A perder toda a esperanga. Teso como um curapau, Sem cigarros p'ra fumar, Nao pensei mais em Macau ; Mas so em me governar. Laranjas boas, vendia, —Sao (dizia, p'ra as comprarem) De Setubal, da Baia; Sem nunca por la passarem. Por fim, VI que a engraxar Teria mais benefi'cio; Licenga logo tirar La fui eu para este oficio. Mas isso custou bastante, Porque Lisboa, hoje em dia, fi uma cidad'.; elegante Com muita engraixadoria. Para mais a embelezar, Tem uma Camara sua. Tenta agora ela acabar C'os engraixador's da rua.
Vendilhoes com suas cestas Ja pouco ha na cidade; Burros, carrogas e bestas Tornou-se uma raridade. Os mortos nao cheiram mal, Porque e tambem moda nova Leva-los sem funeral 0 mais depresna p'ra a cova. E assim. por esto proc.-sso, Lisboa tem-se tornado A cidade do progresso, Porque esqueceu o passado. Antes pobre, mas modesta; Ei-la tao vaidosa agora, Que ja pouco ou nada resta Desses seus tempos d'outrora. Altos predios, ruas belas, A dizer-nos:—Aqui jaz Um bairro e muitas vielas C'os seus lampioes a gas. Em cada bairro que havia, Ergue-se a lindeza mteira. Se sepultou Mouraria, Mais a Praga da Figueira. E assim Lisboa orgulhosa, Criou tal realce e fama Que ja olha desdenhosa Para o seu Bairro de Alfama. Bairro este que inda existe E existira, me parece, Porque ate sera triste Se um dia desaparece. Do lindo Bairro de Alfama que saiu Portugal Nas caravelas do Gama, Zarco, Gil Eanes, Cabral. Portanto, o nobre Lisboa. Nao te envergonhes de Alfama, Nem da tua Madragoa Que te deram gloria e fama. Hoje inda ali, com > dantes, Prestam culto as tradigoes, Os vendilhoes ambulantes Com OS seus lindos pregoes. Inda bam que tu, Lisboa, Te mostras compadecida, Deixando que uma pessoa Governe ali sua vida. Ate mesmo o cioa o grnixa, (Que e a sua velha cantiga) Anda ali com sua caixa Sem que a lei muito o persiga. Muitos, por necessidade, Usando entao de mah'cia, Andam e.n plena cidade Sempre a fugir a policia. Quando e preso um vendilhao, Como em toda a parte agora, Larga a fazenda, ou entao, Paga a muita e vai-se embora. Mas fica logo avisado P'ra vender nos arredores, Porque de novo caqado As penas sao lhe maiores.
Quanto ao pobre c'rna o graixa, Fazem-lhe doutra maneira: Esoovas, panos e caixa, Vai tudo para a fogueira. Portanto, para engraxar, Em Lisboa. precisei deempenhos para arranjar Licenga dada por lei. Por muito rara excepcao, Assim a consegui eu, Gragas ao bom coracao Que sempre me protegeu. Protectora competente E atenciosa tambem, Querida por toda a gente Como pessoa de bem. Mais ninguem capaz seria De para mim adquirir Esta licenga, hoje em dia Dificil de conseguir. Tanto assim, que ao comegar A engraxar em Lisboa, 0 caso fez estranhar Sucedendo-me uma boa: Estando eu sossegado A engraxar um t'regues, Um civil mal encarado Prega-me dois pontapes ! E quando olhei com surpresa Para aquele figurao, Ele entao com ligeireza. Puxou pelo seu cartao. —Sou policia, faz favor Acabe la de engraxar, Mas depressa, esse senhor, Que e para me acompanhar. —Sim, senhor, com todo o gosto, Disse-llie eu por minha vez; Mas vou-lhe dar um desgosto, Vai pagar 0 que me fez ! —A licenga aqui a tem; Por((ue me prende nao sei; Pois, nao fiz mal a ninguem, Nem ando fora da lei ! o guarda a paisana ", entao, Banzado olhou para mim Com a licenga na mao, Balbuciando por fim: —Desculpe que eu nao sabia, Tem mil razoes, afinal; A licenga esta em dia E o senhor no seu local. —Eu que o julgiva um vadio, Tive atitudes molestas; Nao sei como conseguiu Ter uma licenga destas ! Ao ver a sua brandura E o seu arrependimento, Contei-lhe a verdade pura Sem qualquer ressentimento. Convidando-me por fim, Fomos aos copos de Ires, Ficando a ser para mim Um bom amigo e fregues.
Ora assim desta maneira Principiei ate vir, A engraxar na Junqueira Sem mais ninguem me afligir. Nao ganhava muito bem, Porque nao se comparava Como outrora em Sacavem, Onde a tudo me agarrava. Depois esta diferenga: Em Sacavem, nao havia Nem policias nem licenga. E era mais a freguesia. Mas ja dava para OS carros, Calgar e vestir OS filhos, Para comprar meus cigarros E mais para OS meus quaitilhcs. Ja nao andava sem massa E tinha, gragas ao Ceu, Casa e comida de graga; Que mais desejava eu? 0 tempo foi-se passando. Mas novidades ? Nenhumas. Embora, de quando em quando, Eu fosse em busca dalgumas. UMA OFERTA DE TRANSPORTE "REBOCADOR GUIA" Barcos ca para o Oriente, Para embarcar mais OS meus, So houve um, ultimamente; Mas desse me livrou Deus. Era o "Rebocador Guia". Nele estive para vir; Olha no que eu me metia! Oucam, pois, se querem rir . . . Ao "Ministerio" chamado Fui, amigos, certo dia, E ali ficou combinado Embarcarmo-nos no "Gu i a". Viagem muito arriscada. Mas eu, de tanto esperar, Ja nao pensava em mais nada. Eu queria era embarcar. Perdi de todo as esperangas, Porque viram que era, enfim, Ma viagem para as criangas, E bem melhor foi assim. Pois, segundo ouvi contar, 0 pobre rebocador, Parecia, no alto mar, Um perfeito bailador! Tempestades de afligir Deram-lhe ali que fazer, Entre as ondas a subir, Entre as ondas a descer. Mas, por fim, esse valente, Vencendo as grandes procelas, Fez lembrar a toda a gente 0 tempo das caravelas.
Quando a Hongkong chegou A brava gente do "Guia ', Toda a imprensa falou, Louvando tanta ousadia. Eu nunca imitei Camoes, Mas ae, entao, tivesse vindo, Ou riam-se OS tubaroes Ou o ineu poema era lindo. Quem era capaz de andar Por esses mares a SOS, Sem mais um barco a eseoltar, Numa casquinha de noz ? Assim por compensacao, Resta-me so a vanta.gem Da singela descricao Da minha longa viagem. Ninguem . . . So OS P o r t u g u e s e s , Valentes e denodados, Q u e d e i x a r a m OS i n g l e s e s De boca a b e r t a , p a s m a d o s ! No seu espanto profundo, Disseram que a lusa gente Voltava a andar pelo mundo A procura do Oriente. E para a memoria honrar Dos seus gloriosos avos, Corria tambem o mar Nurni casquinha de noz. Vou fa/e-la. Mas primeiro, Vo'temos ao mesmo ponto, Ate que haja, 110 estaleiro, Para mim um barco pronto. Depois de partir o "Guia", Continuei a esperar, Ate que la veio um dia Que foi certo eu embarcar. Sofrendo alguns desenganos E a engraxar na Junqueira, Assim pas-iei eu tres alios, 0 que nao foi brincadeira. Falaram com tanto interesse Nesta viagem arrojada. Que so falta, me parece, Um Camdes, p'ra ser cant.ula. De tanto, tauto esperar. Cheguei por fim a dizer: Que o barco para embarcar Inda se andava a fazer. REALIDADES!... O VAPOR VEIO Mas, leitor, sabendo fique Que o barco ja estava feito E esse foi o "Mogambique", Bonito, grande e perfeito A Lourengo Marques, vim Neste barco encantador; Viagem, que vou por fim Narrar agora ao leitor.
Ida, que feita por mim, A ti vai mostrar agora 0 encantos mil, sem fim, Que ha por esse mundo fora. E aqui tens tu, afinal, P'ra que fagas teu monologo, Minha villa em Portugal Contada a laia de prologo. Mas toma atengao primeiro: Se gostas de viajar, Com muito pouco dinheiro, Vais tambem (lesembarcar. Nao te arrependas, leitor, Desenibarca dinheirinho; Compra-me la por favor Estepequeno livrinho. Mais nao tendo a acressentar, Num passeio nada mail, Vais-me agora acompanhar Na minha volta a Macau. Alem da minha viagem, Narra-te as grandes belezas, Vistas por mim de passagem, Nas provmcias portuguesas. Portanto, ao seguir o barco, Meu leitor, nao sejas mau; Desembarca C;ue eu embarco A rir DE VOLTA A MACAU. A LARGADA DE LISBOA Minha segunda viagem P'ra Macau vou descrever. Dela nao me faltarao Coisas mil para dizer. Em singelas quadras soltas, Vou, amigos, comegar A narrar tudo o que vi, Sem a verdade faltar. Pois a "Vinte e Tres de Margo" Do ano "Cinquenta e Um", Disse adeus aos meus parentes Sem me esquecer de nenhum. Despedi-me dos amigos Mais "e toda a boa gente, Seguindo, no mesmo dia, Para o Cais, muito contente. Chegado ao cais de Alcantara Ja chorava a multidao, E a chorar me despedi Do meu tao amado irmao. Ali, mais dalguns amigos Tambem eu me despedi, E com minha esposa e filhos Pelo portalo subi.
Dentro ja do "Mozambique" Debrugado na amurada, Aceno, dizendo adeus, Com a alma amargurada. Apita o barco tres vezes, Tudo e lengos a acenar, Gritos, oeuas comoventes, Olhos muitos a chorar. Mas, a tudo indiferente, Num constante rumorejo, o barco largou do cais Sulcando as aguas do Tejo. E ate a barra chegar Todo o bom do passageiro, Punha OS olhos em Lisboa Como o adeus derradeiro. Mas, logo ao passar a barra, Houve um alegre alvorogo, Qi'ando as sinitas do barco Tocaram para 0 almogo. Ao terminar o repasto, Lisboa ja nao se via, Comegando por soprar Uma forte ventania. Com OS balangos do barco, Uns deitavam carga ao mar, Outros, de nojo, perdiam A vontade ao bom jantar. E, assim, a nossa viagem, Naqueles dias primeiros, Correu triste e aborrecida Para muitos passageiros. Por fim veio a calmaria, E com ela, juntamente, A boa disposicao, Que encorajou toda a gente. Ja todos corriam lestos Para as refeigoes do dia, Comegando por haver Festas, risos e alegria. Soavam OS instrumentos Com cantigas ao despique. Muitas delas dedicadas Ao bom barco ' Macambique". Barco que entao navegava De proa feita ao Funchal, Com uma hora de atraso Das boras de Portugal. A ILHA DA MADEIRA Depois de ter ja passado Esta Ilha da Madeira, Porto Santo, Ilhas Desertas, Majestosa e sempre bela, Veio a Ilha da Madeira, Foi ja outrora cantada A joia das descobertas. Na minha musa singela...
Nela me senti poeta. Quando, pela vez primeira, Vi l'isonha e verdejante Esta Ilha da Madeira. 0 seu verde tao florido, Todo para Deus se alteia. De dia embeleza as aguas, Que, a noite, o luar prateia. Mar de murmurosas aguas Banhando-a com tal ternura, Torna, assim, mais majestosos Os seus montes de verdura. Mais abaixo, tao vistosa, A cidade do Funchal, Inveja, do estrangeiro, Orgulho de Portugal. Madeira, linda Madeira, Um encanto para mim, Por toda a parte cercada De belezas mil, sem fim. Ilha, sonho dos poetas, Parai'so dos pintores, Fada magica doirando A pena dos prosadores... Quem me dera, como eles, Madeira dos meus encantos, Empunhar a lira bela E erguer-te sublimes cantos. Mas mesmo em rimas singelas De passagem eu te aclamo: Ilha minha encantadora, Que eu tanto conhefo e amo. Aqui vivera liospedado, Como soldado, dez meses. Por ca passara tambem, Noutros tempos, varias vezes. Razao porque vou, agora, Correr a cidade inteira, Matar as minhas saudades, Pela Ilha da Madeira. Mas tenho umas horas so. Nao me posso demorar Neste solo encantador, Que eu torno agora a pisar. A entrada do Funchal, Vou, primeiro, orar na Se. Dou uma volta a cidade : —Que lindo tudo isto e ! . . . Para ver alguns amigos, Neste curto it'nerario, Entrei numa taberninha Da Rua do Seminario. E logo ali encontrei, Como nos tempos antigos, Alcm do dono da casa, Alguns rapazes amigos. Vieram umas cervejas, E depois umas bifanas. Ainda trouxe para bordo Um bom caoho de bananas. E mais V03 digo eu, ainda, Que nao gastei um real, Pois tudo correu por conta Dos amigos do Funchal.
Antes de apanhar a lancha Para me levar a bordo, Encontrei um outro amigo E desse eu mais me recordo. Muito encantado ficou. Quando me viu esse amigo, Com dois filhos pela mao, Que eu levava ali comigo. Conversamos um booado E, por fim. umas cestinhas Comprou ele, p'ra nos dar, De nesperas madurinhas. Como as lioras se passassem, Tive de me despedir. Embora com muita pena, Porque o barco ia partir. Adeus, Ilha da Madeira, Amigos, adeus, adeus ! Muito agradecido a todos, E fioai todos com Deus ! Feita a minha despedida, Segui na lancha, contente. Carregadi lho de nesperas E de bananas, o gente. Na lancha, mais passageiros Tambem com seu contrabando, E de gorro a madeirense Seguiam rindo e cantando. Quando subi para o barco Minha mulher, desejosa, Olhou logo para a fruta Com olhinhos de gulosa. Que alegria era a dos filhos, E da minha companheira ! Ainda hoje eles se lembram Das bananas da Madeira. Mal a gente entrou a bordo, Soa a hora da partida, Atirando eu a Madeira Um beijo de despedida. Larga o barco da Madeira, Toda agora iluminada; Ha temporal pela proa E muita gente assustada. Caem salpicos de chuva E o vento, que e de assobio, Faz ficar de prevenfao 0 pp-isoal do navio. Alguns pobres passageiros, Palidos e amedrontados, Fogem para OS camarotes Com carinha de enjoados. Senhoras, principalmente, De enjoadas, coitaditas, Ja nem pintavam OS labios, Nem se faziam bonitas. Era ve-las descoradas, De olhos tristes e chorosos, A deitarem pela boca Jactos brancos, mal cheirosos Alguinas viam-se aflitas Com OS seus bebes ao lado, Separadas dos esposos, Num porao mais afastado.
A "Classe Suplementar", Sem ter boas condigoes, Aloja seus passageiros La no fundo dos poroes. Ou casados, ou solteiros, Nao ha outra coisa boa. Homens no porao da re E elas no porao da proa. Razao esta porque muitos, Se most-ram aborrecidos: As esposas sempre enfermas, Cabisbaixos OS maridos. So eu e que nao me ralo. Ca vou indo, sempre em frente, Aguentando o paquete De cara alegre e contente. £ que remedio nao ha Senao sofrer e aguentar Tudo isto e mais ainda 0 que esta para passar. 0 temporal ja passou. Ja se passaram tres dias. Tudo anda agora, alegre, Na melhor das harmonias. Toda a gente se diverte. Todos brincam. dando as maos. Nao ha rieos, nao ha pobres, Todos sao como irmaos. Chega o Domingo de Pascoa, Dia bastante animado, Com muitas festas a bordo E o comer foi melhorado. Para olvidar OS ausentes, Houve vinho com fartura, Onde alguns afogaram As saudades e a amargura. Para lhes dar o exemplo, Comecei no "mata-bicho", E quando cheguei a noite, J a ats cantava o cochicho. Carregado da cabega, Puxei de cadeira dura, Acordando de manha, Com uma grande to.itura. Para ficar bem disposto Bebi um "grogue" no bar; E, agora, eis-me entretido Olhando as aguas do mar Um bonito mar de rosas, Que, sem ter rosas nem flores, Apenas me vai mostrando Muitos peixes voadores. As vezes, por novidade, La passa uma embarcagao, E tambem la muito ao longe Fica a vista um tubarao. Sobre essas tao claras aguas Surgem estranhos peixinhos; E, a saltarem junto a proa, Um cardume de golfinhos. E grande o contentamento De todas as criancinhas, Que dao gritos de alegria Ao verem muitas toninhas.
Coisas de mais interesse, Nao tenho para contar Agora, em longa tirada, Em que so ha ceu e mar. Segunda-feira, a tardinha, Passamos pelas Canarias, Arquipelago do Atlantico. Que e composto de ilhas varias. E. assim, navegando o barco, Pelas costas da Guine, Leva sete dias certos, A chegar a Sao Tome. Tristeza smto bastante, De nao poder avistar A nossa rica Guine, Que tao perto ha-de ficar. Aqui, tudo a minha volta E uma bola redonda: 0 mar entra pelo ceu Sereno, sem uma onda. Desta forma e sem balangos, 0 que ja muito bom e, Navega o nosso paquete Direitinho a Sao Tome. VIAGEM EM PLENO MAR - COSTAS DA GUINE Tergafeiva, de manha, Passamos muito rentinhos Pelo Plirto de Dakar, Cheiu de muitos barquinhos. Correu-nos tambem alegre 0 dia de quarta-feira. Havendo para nos todos Uma festa na "pr imei ra. Logo ao longe, uns vultos negros Viram algunias pessoas; Gritaram que eram baleias, E eram pequenas canoas. Passando ja perto delas, Notei que OS seus o:;upantes Eram da cor do alcatrao E pouco simpatizantes. Tiro ao alvo, premios muitos, Baile ate de madrugada, Cervejas, vinho, refrescos, Canjas e sardinha assada. De ca bem lhes acenaram, A gritar em alta voz, Mas OS rudes cavalheiros Nem olharam para nos. Quinta-feira, vinte e nove. Navegava o barco ja Junto as costas da Liberia, Lindas como outras nao ha. Nas suas frageis canoas, Vogando, sempre vogando, La se foram e nos tambem, Tudo para tras deixando.
Nisto, vem descendo a lioite, Triste, escura como breu; Relampeja e nem sequer Uma estrela ha la no ceu. Como o calor e demais, Cada qual, por sua vez, Procura o ponto mais fresco Para dormir no conves. Um calor tao sufocante Que o porao ja nao seduz; Todos fogem la de baixo, Como o diabo da cruz. Ha um que nao sai de la. Feito Adao, sempre ali fica, Dormindo alagado em agua Como se fosse uma bica. F ele um repatriado, Que segue para Timor; Rapaz alegre e solteiro, A quem nao rala o calor. Diz-nos ele, e com razao, Que quer dormir descansado, Porque nao gosta de ser, De manha, incomodado. Os que abalam do porao De mantinha e cabegalho, Dormem no conves a fresca, Com OS ossos no soalho. Mas, logo de manha cedo, Com desagrado bastante, La vao corridos dali Por um velho tripulante. E nada de resmungar ! F calar e obedecer, Senao vem agua salgada: E e um banho sem querer. Desde a proa ate a re Comeya uma baldeacao; Baldes, vassouras, mangueiras, Entram ali em fungao. Foge tudo aborrecido Do conves para 0 porao, Levando quase de rastos, As suas mantas na mao. Uns vao tomar o seu banho, Outros, como ainda e cedo, Ficam-se ali a dormir E a regalar o pulguedo. So quando toca a sineta F que se poem de pe; E ate mesmo ramelosos La vao tomar o cafe. Para que ninguem repare Em tamanho desmazelo, Depress! esfregam OS olhos E dao um jeito ao cabelo. Mas, mesmo assim, fazem rir, Porque vao para o cafe De pijama amarrotado E chinelinhas no pe. Ha quem olhe para eles, Fazendo as suas caretas. Mas eles pouco se ralam, Porque nao sao de etiquetas.
Venha bom pao com manteiga, Cafe com Ieite a fartura; Repita quem tem vontade, Aproveitem nesta altura. Muita gente ainda um dia Com pena se ha-de lembrar, Mesmo sem grande miseria, Dos restos que leva o mar. Restos destes, nao OS ha Nem nos hoteis mais distintos; Apanha-los, pois, quem dera Ainda OS menos famintos. Quem goza sao OS peixinhos, Que ate jogam a tareia, Com inveja de nos ver A arrotar de panga cheia. Ja findo o primeiro almogo, Uns sentados, outros nao, Dao a lingua no conves P'ra ajudar a digestao. Mas, as doze horas em ponto, Toca o sino novamente. Cada qual ao seu lugar E va de comer, o gente ! 0 lanche, as quatro da tarde; 0 jantar, logo a seguir; Nao ha. vida como esta Folgar, comer e dormir. E OS dias ca vao passando A espera duma paragem, 0 que e sempre um desfastio Para quem vai em viagem. Mas nada de esmorecer, Haja esperanga, haja fe. Sao mais dois dias apenas E estara em Sao Tome. Vamos dormir, que sao horas. Um bom sono a toda a malta, Para que menos lhe custe Passar o tempo que falta. SAO TOME Sexta-feira, que bom dia! Foi de encher o mealheiro; Engraxei muitos sapatos E ganhei muito dinheiro. Engraxando OS passageiros, Sem fazer prego a ninguem, Ganho mais que o meu trabalho, Porque todos pagam bem. Pomadas, tintas, escovas, Mais a respectiva caixa, Tudo trazia eomigo; E eis-me, a bordo, o rei da graxa. Hoje entao foi a bichinha, Tudo me pos ca o pe, Porque amanha, finalmente, Chegamos a Sao Tome.
Sao nove horas da noite, Tenho OS meus bragos cansados Mas o dinheirinho ganho E OS fregueses engraxados. Sabado, de manha cedo, Ja todos estao de pe ; Alguns mesmo nem dormiram A sorihar com Sao Tome. Olham para o horizonte, Nada podem avistar; Certamente que inda falta Muito para la chegar. As duas horas da tarde, Ate que enfim se ve terra; Ponto escuro sobre o mar, Como negra e feia serra. Foi-se o barco aproximando. Chegados a certa altura, 0 ponto escuro tornou-se Num oasis de verdura. Ao largo veio fundear 0 "Mozambique" afinal, Neste lugar, que nos mostra As Quinas de Portugal. Provincia de Sao Tome, No cume toda nublada E pelas suas encostas, De verdura atapetada. Ja duas vezes ca passo Sem nunca desembarcar Nesta terra portuguesa, Tao beijada pelo mar. Ca para mim ja me basta Ver de longe Sao Tome, Esta terra florescente, Que daqui tao linda e ! Pois, que bem poucos la foram Nao so por nao terem tempo, Mas tambem por ter havido Um pequeno contratempo. 0 Comissario de bordo Lembrou-se so nesta hora, De nos dar uns boletins P'ra preencher sem demora. Tanto trabalho isto deu E tanto tempo levou, Que poucos foram a terra E quem foi pouco gozou. Tempo so para chegar E voltar numa corrida, Quando ja o "Mozambique" Dava o sinal de partida. Nos, a bordo, mais gozamos De que esses pobres bacocos, Que so trouxeram de la Jaca, goiabas e cocos. No barco havia a vender Frutas muito saborosas, Objectos de tartaruga E outras coisas preciosas. Tudo, por barato prego, Vendido aos passageiros Pelos negros, que chegavam Nos seus "dongos" bem ligeiros.
Bom pente de tartaruga Comprei para me pentear; Para OS filhos e mulher, Muita fruta, ate fartar. Tres horas de permanencia, E, apos o tempo mareado, 0 barco levantou ferro Como quem parte apressado. Vendo ao longe Sao Tome, Ia-me a rir a socapa, Como quem passa por Roma Sem chegar a ver o papa. Por um comprido binoculo, Para mais perto ver tudo, Via agora, em vez de Braga, Sao Tome por um canudo. La pela praia, brincando, Vi durante alguns minutos Muitos pretos pequeninos, Que pareciam charutos. Vi pretas e vi mulatas Caminhando pelas margens ; E, fora de brincadeira, Vi tambem lindas paisagens. Na vila, ricos pomares, Muitos chales, alpendradas, E por entre as bananeiras Casas de branco caiadas. La pelas verdes encostas, As plantagoes de cafe, Muitas arvores de fruto. Riquezas de Sao Tome. Riquezas que atras me ficam, Porque o barco sem parar, Distanciando-me vai Destes encantos sem par. Adeus Sao Tome e Principe, Encanto de quem la passa, Orgulho da nossa Patria, Gloria excelsa duma raga ! Dezoito horas em ponto ; Ja mal posso distinguir Sao Tome, la muito ao longe, Com uma luz a luzir. Nesta meia escuridao, Tudo vai desapar'cendo; 0 barco as aguas sulcando E a noite sempre descendo. Sumiu-se a luz que brilhava, Tudo agora e ceu e mar; E, ate chegar a Luanda, Ha so milhas a contar. Desce a noite clara e linda, Mas uma nuvem escura Cobre 0 ceu e, de repente, Cai chuvinha com fartura. Tamanho aguaceiro grosso, Que a agua pelo conves (Embora fazendo enchente) Corria com rapidez. Ao vir tal batega d'agua, Os passageiros, coitados, Como o calor era muito, Ficaram arreliados.
Uns, arrastando as cadeiras, Foram para OS corredores; Outros, para onde havia Portas e ventiladores. Mas tudo passou depressa; Foi chuva de trovoada; E aqui temos nos agora A noite toda estrelada. Sobre o conves ja enxuto, Vejo grupos conversando, E alguns, deitados a fresca, Tambem ja vao ressonando. Nao tardo a fazer o mesmo, Nem estou com mais demoras; Largo a escrita e vou dormir Porque tambem ja sao boras. A noite agora tao bela Da-nos uma fresca aragem, Que ate regala e consola E torna linda a viagem. Mas antes que eu adormefa, Nao quero ser malcriado, Boas noites, meu leitor, Que o dia esta terminado. TRABALHO Domingo, ja dia Um, Nao houve baldeafao, Dormi bem ate a bora Da primeira refeigao. 0 mesmo fez toda a gente, Por ser a primeira vez Que ninguem teve a ma sorte De ir corrido do conves. Bem haja a chuva da vespera Com seus asseios ligeiros, Que deu folga aos tripulantes E sossego aos passageiros. Mais nenhuma novidade Tenho para vos contar; E para ganhar o dia Vou sapatos engraxar. E BOM HUMOR Menos pomada e anilina, Que isso nao da resultado; Mexe a escova e ringe o pano, Que este ja esta engraxado. Quando a freguesia e muita, Nao me importo c'o a traseira; 0 que quero e que o fregues Veja o lustre na biqueira. Sao oito horas da noite, Acabei ja de jantar; Trabalhei durante o dia Para agora descansar. Ao mexer nas algibeiras, Ate me sinto contente, Quando oijo aqui moedaa A tinirem lindamente.
Na grande «Sala de Fumo» Encontro-me eu nesta altura, Mesmo junto do bufete, Mas sem ter muita secura. Como acahei de jantar, Acho boa a ocasiao, Venha um ealice de « grogue» P' ra fazer a digestao. Agora venha mais outro Para ter inspiracao, Mas a musa nao quer nada Ja com este borrachao. Tambem nao me ralo mais, Nem dou cabo do bestunto; Mais um «grogue» p'ra sossega, Ponto final no assunto. EM LUANDA Deitei-me, era « meia noite": Bem cheirava a aguardente, Mas confesso, meus amigos, Que dormi perfeitamente. So quando me levantei, Estava um pouco tontinho, Mas um banho de chuveiro Pos-me logo afinadinho. Foi-se-me todo o incomodo, A preguigu e a lazeira, Mesmo apesar de ser hoje Dia dois, segunda-feira. Tomei o meu cafezinho, E depois, muito contente, Principiei a avistar Muita terra pela frente. E, as dez horas da manha, Chegamos nos a Luanda, Surpresa que nos deixou A todos de cara a banda ! Ninguem pensava chegar Assim tao breve. Porem, 0 vcnto foi favoravel E o « Mozambique» andou bem. Ao atracarmos ao cais, Era enorme a multidao; Rostos brancos e bonitos, Outros da cor do carvao. Estive, ao vir de Macau, Nesta Luanda tao linda; E se formosa era entao, Mais formosa e hoje ainda. 0 seu porto encantador Mostra agora um outro aspecto; Movimento, vida e luz, Tudo o que ha de mais completo, Vejo, olhando a minha volta, Lindos predios, fortalezas, Palacetes, largas ruas, E tantas outras belezas.
Mas vamos desembarcar, Ver toda a cidade linda, Que no seu seio encerra Coisas mais belas ainda. Como o centro da cidade Fica distante do mar, Iremos de « machibombo», Ja que 0 sol e de rachar. Finalmente, aqui chegados, Que diferenfa nao faz, Agora, a bela cidade De ha cinco anos atras. Esplendidos edificios, Muitas grandes avenidas, Largos, pragas e jardins, Lindas ruas, concorridas. A cidade de Luanda, Na grandeza que avoluma, F uma cidade moderna E rica como nenhuma. Progressos, melhoramentos, De que se orgulha o seu povo, Dando sempre muitas gragas A obra do Estado Novo. Nos dias que se passaram Antes do barco abalar, A toda a liora saia, Com OS meus, a passear. E, como me acompanhasse A sorte que eu tanto estimo, Tive eu a grande alegria De encontrar aqui um primo. A mim e mais a familia Convidou-nos nesse instante; Cervejas, bolos, refrescos, Mandou vir num restaurante. Quando voltamos a bordo, Fomos ver o que continha Um pacote que, aos meus filhos, Meu primo ofertado tinha. Uma caixa com bombons E, num envelope, a inargem, Cem angolares de oferta Para ajuda da viagem. Logo no dia seguinte, A bordo buscar-nos veio; E com ele, de automovel, Demos um lindo passeio. Dois dias que aqui passamos De vida bem regalada ; Comer, beber, passear, Sem gastarmos mesmo nada. Tambem alguns passageiros, Companheiros de viagem, Que ficavam em Luanda Diziam-nos de passagem: —Nos chegamos ao destino, Voces inda vao seguir; Vamos beber qualquer coisa P' ra gente se despedir. E como nisso insistissem, La ia a gente aceitando, Uns aos outros, ternamente, Boa sorte desejando.
Do primo e dos que ficaram Nesta bonita cidade, De todos me despedi Com muita pena e saudade. E pouco tempo faltando Para o barco se ir embora, Dum triste caso soubemos Acontecido la fora. Um passageiro, que vinha De Lisboa p'ra Lobito, Embebedou-se e depois Tentou matar um pretito. Estava a pobre crianfa Com uma vara a pescar, E ele, abeirando-se dela, Atiruu com ela ao mar. Vendo o pobre preto attito, Achou gra£a, pos-se a rir. Por sorte surge um policia E o malvado quis fugir. Nao teve tempo p'ra isso. Foi preso esse malfeitor, Enquanto a pobre crianga Encontrava um Salvador. A todos causou horror A sua acjao tao nefanda, Pela qual sera julgado Nos tribunals de Luanda. Nao sei se sera verdade, Mas ja me veio aos ouvidos Que dez anos de cadeia, Tem-nos ele garantidos. Nao tenho pena lienhuma, Nem desculpo a bebedeira: Quem nao sabe beber vinho, Beba agua da torneira. Antes, connosco em viagem, Por ter modos tao grosseiros, Era ja muito mal visto Pelos demais passageiros. Forte como brutamontes, Desdenhoso, pouco dado, Abusador, provocante, E bastante malcriado. Eis aqui as qualidades Deste nobre personagem, Que acaba de nos mostrar Instintos so dum selvagem. Menos de causar espanto, Por ser um filho do mato, Vejo um negro lieste instante Fazer grand ' espalhafato. Sao agora seis da tarde Do dia quatro de Abril; Quase a bora da partida, Revolta-se um negro hostil. Da-se esta cena a saida Do portalo do liavio. 0 negro, que e estivador, Tem um aspecto sombrio. Outro negro, seu mandao, Com razao, ao que parece, Empurra-o, manda-0 embora, Mas este nao lhe obedece.
E quando, entao, revoltado, Tenta agradir o seu chefe, Um policia, que ali estava, Pregn-lhe um grande tahefe». Sempre encostado a, amurada Fitava as aguas do mar, La no ponto onde deixara 0 coracao a chorar. Como ainda protestasse, Fazendo muito banze, Desceu logo o portalo A chapada e pontape. Se de Luanda a Lobito F uma distancia pequena, Grandes sao sempre as saudades P'ra quem leva e deixa pena. E, ja la fora, no cais, Muniu-se dum facalhao, Acfao que o fez ir parar Com OS ossos na prisao. Nada a mim mais me comove E me entristece na vida, Que o adeus frio da morte E o adeus da despedida. Assim terminou a festa Ao som do ultimo apito, E larga o barco do cais Com rumo agora a Lobito. Em Luanda, muita gente Embarcou para Lobito; Nao tira OS olhos do cais Um pobre pai, coitadito. Corresponde ele, a chorar, Com o seu lenfo na mao, Aos acenos que lhe fazem Dois miudos que alem estao. Sao dois adeus que ficam Sempre na nossa lembranf.a: Um adeus, saudade eterna, Outro adeus, saudade e esp'ranja. Mas nao chorein por favor; Eu agora quase que ia A voar para a tristeza Nas asas da nostalgia. As vezes. por coisas tristes, Torno-me serio um momento, Mas depois, p'ra nao chorar, Mando a Java o sentimento. Sao dois filhos que, com pena Do paizinho se ir embora, Dizem-lhe adeus, la de longe, Correndo pelo cais fora. Portanto, sem que me deixe Dominar pela tristeza, Vou-vos agora mostrar Outra terra portuguesa. Tudo desapareceu Causando-me muito do, Esse pobre pai, chorando, Como se estivesse so. Mas tambem, como nao quero Tornar-me tao ma9ador, Fecho aqui este capftulo Para que folgue o leitor.
LOBITO E OS SEUS ENCANTOS Da cidade de Luanda A Lobito—Porto chique— So uma noite levou, 0 bom barco "Mozambique". Muito ricos pavilhoes, Ediffcios colossais, Caminhos arborizados E outras ruas marginais. E aqui temos nos a vista Um lugar ameno e fresco, Verdejante, encantador, Grandioso e pitoresco ! E la mais adiante, a praia, A cidade um pouco alheia, Com suas pobres senzalas Construidas sobre a areia. Que riquezas ! Que paisagens !... Que quadro tao divinal !... Que encantos estes, chamados, Grandezas de Portugal ! Como o tempo e muito pouco Para tudo apreciar, Vou-me andando para bordo Antes do barco apitar. Na sua magnificencia, De cidade hoje da [nostras Lobito, a bela baia, A "Catumbela das Ostras". Vi ja bonitos pretinhos A tomar banho na praia, E as pretas de pano as costas A fazer de blusa e saia. Um raro porto, afinal, Com o seu extenso cais, E, a seguir, logo a Estacao Com seus "l'ailes" marginais ! Nestes meus curtos passeios, Tudo achei muit I bonito, Durante estas oito horas Que ficamos em Lobito. A larga e bela avenida, Mesmo a entrada do porto, Ladeada de lindos predios, E toda um florido horto. Tendo o barco aqui chegado As dez horas da manha, Abalou as seis da tarde Sempre em frente qua! tita. MOCAMEDES E, com destino a Mocamedes, Mais uma noite se passa, Vendo, quando ali cheguei, A mais excentrica rafa. Quando o barco fundeou, Chegou logo um batelao, Com alguns negros de terra Mais escuros que o carvao.
Todos eles da estiva, Mas vinham bem ajeitados Com uns saiotes floridos E turbantes encarnados. Mal entraram para o barco, Achei-os mais elegantes. Ao ficarein so em tanga E ao tirarem OS turbantes. Embora todos carecas, Esses comicos fulanos Usavam um carrapito Como OS antigos Moicanos. Dois deles, muito mais lindos, Tinham mais grafa que todos; Um mais diferente nas mod as, Outro mais giro nos modos. Um por ter dois carrapitos Com muitos lajos e, ainda, Desde o cocuruto a testa, Uma crista muito linda. Sua cabega parecia-me, Com tais bandos a tricana, Um emplumado chapeu Da Guarda Republicana. Quanto ao outro, meus amigos, Saltava como um cabrito E, igual ao rabo dum burro, Tinha um grande carrapito. Tirando a sua cor negra, Parecia-me tal qual Aquele gigante magico Que ha num conto oriental. Mais parecido e verdadeiro Que o bom do comediante, Que. no "Ladrao de Bagdad", Fez o papel de gigante. Veio a hora do almogo, Vendo-os mellior desta vez Sentados todos a roda, Reunidos no conves. Ei-los ali muito alegres A volta dum pratalhaz, Comendo arroz as mancheias Com apetite voraz Para eles nao ha talheres, Comem mesmo com as rnaos, Nas quais lambem com a lingua Os mais pequeninos graos. F uma coisa que da grafa A sua feia negrura, E a sua boca encarnada, Mais a branca dentadura. Mas, deixando-os a vontade, Vamos nos ver como e bela A baia de Mofamedes, De mais lindo o que tem ela. Como temos pouco tempo E OS transportes ficam caros, Eis aqui mesmo de longe Os seus encantos tao raros!... Uma ermida la no alto, Edificada com arte, Casinhas a beira-mar, Verduras por toda a parte !
RkJQdWJsaXNoZXIy MTQ1NDU2Ng==