Transcrição em Português 159 Relação da Embaixada e do que por respeito dela sucedeu que El-Rei Nosso Senhor D. João o 5.º no ano de 1725 mandou ao Imperador da Tartária e China cujo reinado era Yum Chim. Havia El-Rei Nosso Senhor em um dos anos antecedentes ao de 1725 recebido parte (porque o mais se queimou com a nau em que vinha no porto do Rio de Janeiro)1 de um grandioso mimo2, que o Imperador da Tartária e China, cujo reinado era Kam Ky lhe mandou pelo Muito Reverendo António de Magalhães da Companhia de Jesus, e missionário na sua Corte de Pequim; e a esta lembrança determinou Sua Majestade corresponder com outra igualmente afectuosa, mas tendo a notícia que este Imperador era morto, se resolveu a encaminhar a mesma lembrança e agradecimento a seu filho quarto, que lhe ficou sucedendo no Império, sendo um dos fins desta diligência, além de outros mais superiores, o mandarlhe com a remessa de um inestimável mimo, dar o pêsame pela morte do defunto seu pai e os parabéns de sua exaltação ao trono, e para esta empresa foi Sua Majestade servido nomear o desembargador Alexandre Metelo de Sousa e Menezes, a quem também honrou com o carácter de seu embaixador. Embarcou-se o dito embaixador no dia 12 de abril do dito ano na fragata Nossa Senhora da Oliveira, que se achava preparada no porto de Lisboa Ocidental para o conduzir a Macao, e também embarcou com ele o padre Francisco Xavier da Rua, protonotário de Sua Santidade, e advogado do número da Casa da Suplicação, a quem Sua Majestade fez também a honra de mandar à China com a incumbência de secretário dos negócios de sua embaixada. Logo que o embaixador se recolheu à dita fragata o salvou a mesma, e depois o buscaram e visitaram todos os oficiais na sua câmara, e despedidos lhe mandou o capitão de mar e guerra Duarte Pereira pôr à porta da mesma câmara um soldado de guarda, que continuou até sairmos da Barra para fora, que foi no dia 17 de abril, em que houve vento ainda que não muito favorável. Continuou-se a viagem com algum vento, que nos favoreceu até o dia 21 de manhã, em que por causa de outro contrário nos pusemos à capa3 esperando a monção, que nos continuou no dia 25 com bom vento; e neste mesmo dia se ajustou a nossa fragata com a nau em que ia 1 No dia 16 de Junho de 1722, a Nau Rainha dos Anjos que transportava um “grandioso mimo” enviado pelo imperador Kang Xi ao rei D. João V, sofreu um grave incêndio na Baía de Guanabara, junto ao porto do Rio de Janeiro. Para além do presente para o rei português, perdeu-se também o presente da corte chinesa para o Papa Clemente XI. Destes presentes constavam vidros e porcelanas fabricados pelos jesuítas na oficina do palácio imperial. Vide João de Deus Ramos: “As Relações entre Portugal e a China na primeira metade do século XVIII: as Embaixadas de António de Magalhães, S.J. e de Alexandre de Sousa e Meneses”, in Actas do Colóquio -A Diplomacia na História de Portugal, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1990, pp.162-170, e História das relações diplomáticas entre Portugal e a China. I. O Padre António de Magalhães, S. J., e a embaixada de Kangxi a D. João V (1721-1725), Instituto Cultural de Macau, [Macau] 1991. 2 Presente. 3 Pôr à capa é o “estado em que o navio se põe, quando pela força do vento não convém navegar” [i.e. uma forma de retardar o avanço de uma embarcação à vela, comumente usada como 'pausa', de modo a esperar um vento forte ou contrário]. António Gregório de Freitas, Novo Diccionario da Marinha de Guerra e Mercante Contendo Todos os Termos Maritimos, Astronomicos, Construção, e Artilheria Naval (Lisboa: na Imprensa Silviana, 1855), s.v. “Capa” 118-119.
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