Transcrição em Português 161 junho salvou8 a nossa fragata o dia do nascimento do Senhor Dom José, Príncipe dos Brazis9. No dia 13 de junho descobrimos uma nau, que não conhecemos, e nos deixou em suspeita de que era inimiga; e esta mesma suspeita obrigou a fazer-se na nossa fragata algum preparo, com que veio a ficar mais desimpedida para a solenidade da festa do glorioso Santo António, cuja novena se tinha feito com muita devoção de todos, e em particular dos padres missionários da Companhia, os quais em todos os dias nas tardes dela, cada um por seu turno fizeram umas muito elegantes e devotas práticas. No dia 18 do mesmo mês de junho quando já estávamos na altura de 23 graus do sul, que é a mesma do Rio de Janeiro, consultaram entre si os oficiais, se seria mais conveniente arribarmos ao mesmo Rio ou a Batávia10 para esperarmos monção, sem a qual tinham os mesmos por dificultoso o podermos caminhar em direitura de Macao; e assentando entre si, que era mais conveniente arribarmos ao Rio de Janeiro, deram disto parte ao embaixador, que lhe respondeu, que não votava na matéria, porque o governo e direção da nau se lhe não tinha recomendado, mas que sempre lhe parecia mais conveniente o arribarmos em Batávia, aonde poderia achar algumas notícias do estado das coisas da China para onde caminhava. Esta mesma resposta deu também o Muito Reverendo Padre António de Magalhães ao capitão de mar e guerra, que também o buscou na sua câmara, dando-lhe parte do que tinham ajustado; e o mesmo padre depois de dizer-lhe que era inconveniente o arribarmos ao Rio, porque não devia demorar-se sem muita necessidade a jornada, acrescentou, que para chegarmos a Macao não era necessário esperar outra monção, porque tinha ouvido (e eu o ouvi também de pessoas de crédito em Macao) que chegando a Batávia se podia tomar a altura das Filipinas e de Manila (é esta uma cidade e fortaleza dos espanhóis) de donde por todo o mês de outubro se podia entrar na China; mas o capitão de mar e guerra com os mais oficiais seguiram o seu assento, e com efeito se fizeram no rumo do Rio de Janeiro aonde invernámos. No dia 23 de junho se formou ao pôr do Sol no mar um movimento, a que vulgarmente chamam redemoinho, e com razão, pois na forma e semelhança dos que vemos levantar na terra, e com tal excesso se formou, e tão perto da nossa fragata, que nos meteu terror, e também aos oficiais, a quem obrigou a ferrar as velas a toda a pressa para acautelarem o perigo, que muitas vezes sucede com semelhantes movimentos, pois se tem visto levarem consigo as velas pelos ares, arruinando os mastros e deixando as naus cheias de muita água que levantam, mas foi Deus servido, que nos não ofendesse, e se fosse como foi, desfazendo a pouco e pouco à nossa vista. Neste mesmo dia pela noite se lançaram vários foguetes por ordem do capitão de mar 8 Saudar, fazer cortesia, dando salva de artilharia ou mosqueteria. Freitas, “Salvar” 318. 9 Disparos de canhão em celebração do dia do nascimento de D. José príncipe do Brasil (6 de junho de 1714 - 24 de fevereiro de 1777), o terceiro filho de D. João V e futuro rei de Portugal. 10 Batávia, a antiga capital das Índia Orientais Holandesas (1619-1949) e actual Jacarta.
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