Transcrição em Português 173 bambú (até aqui tudo são instrumentos de castigo); seguiam-se mais quatro chinas com quatro bandeiras grandes, a quem seguia outro china de cavalo; depois destes iam mais dois chinas com duas bandeiras pequenas; e depois ia outro china com um grande sombreiro de cetim amarelo, a quem seguia outro com um grande leque (costume dos mandarins da China, que quando se encontram, como em reverência e mútua atenção encobrem o rosto enquanto se não falam) que servia de encobrir nos encontros com os mais mandarins; logo se seguia o mesmo mandarim em uma cadeira, ou andor, que carregavam quatro chinas, acompanhando-o dez chinas mais de pé, e quatro de cavalo, a quem por último se seguiam dois chinas mais com duas bandeiras pequenas; estes são ordinariamente os estados e acompanhamentos dos mandarins da China sem diferença mais que serem uns mais numerosos que outros na gente, instrumentos, e insígnias várias de que usam, como distintivo dos mandarinados. Quando este mandarim ao sair passou pela sala do docel, e viu nele os retratos de suas majestades portuguesas fez alguma demora, e perguntou, que retratos eram aqueles que ali via? E dizendo-se-lhe que eram das majestades de Portugal, disse ele então: “eu devia bater-lhe cabeça mas não trago os meus vestidos de cerimónia, com que o devia fazer”; e dito isto se foi andando, deixando-me a mim motivos nesta acção para entender, que os mandarins da China, não crêem que nas tabelas de que usam por morte dos seus defuntos venham a sentar-se as almas dos mesmos quando lhe fazem os seus ritos, e lhe batem cabeça; pois também aqui este mandarim a queria bater a estes retratos de suas majestades portuguesas, que não estavam ali mais que na representação; e já no ano de 1668 em Cantão se viu, que os mandarins usaram da mesma cerimónia, e bateram cabeça diante de uma carta que levava Manuel de Saldanha embaixador de Portugal27, estando posta sobre uma mesa bem ornada, para depois se verter e mandar a versão ao Imperador, que a esperava para se resolver e havia ou não de subir à sua Corte, aonde depois subiu o mesmo embaixador. Os mesmos mandarins da China em certos tempos têm por costume indispensável de baterem cabeça perante outras semelhantes tabelas, que estão em aulas pelas vilas, e cidades de cada província, como substitutos, ou imagens do mesmo Imperador, que actualmente reina, e na ausência dos mandarins que governam bem os povos, costumam estes de ordinário firmar tabelas semelhantes, em que lhe escrevem os nomes, ficando-lhe servindo as mesmas tabelas de retratos para avivarem a lembrança dos mesmos que os governam, em cuja atenção batem também a seus tempos cabeça, e fazem outros ritos perante as mesmas tabelas, assim e da mesma sorte que o fariam se os tivessem presentes; e é certo, que nenhum china crê que nestas tais tabelas, quando batem cabeça, venham estar, nem o Imperador, que lá está na Corte vivendo, e reinando, nem os mandarins que os governaram, que lá estão em suas casas, ou em outra província com alguma incumbência. 27 Sobre esta embaixada vide John E. Wills, Embassies and Illusions: Dutch and Portuguese Envoys to K’ang-hsi 1666-1687 (Harvard University Asia Center, Harvard University, 1984), 82-126.
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