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Transcrição em Português 189 Passados alguns dias depois da nossa chegada a Cantão, mandou o Chifú ao embaixador um banquete de mesas à moda tártara e sínica, as quais ele não aceitou, nem uma comédia, que também lhe oferecia para se representar nas horas do banquete (que de ordinariamente na China não há banquete em que não haja comédia). Também o vice-rei lhe mandou outras semelhantes mesas com uma comédia, que se lhe aceitou, e não assim outras mesas e comédia, que o mesmo vice-rei lhe mandou oferecer em outros dias. Nas vésperas da partida de Cantão visitou o embaixador aos bispos de Nan kim e de Pequim, que também o tinham visitado, e juntamente aos mais missionários portugueses e estrangeiros que o buscaram; e no dia 9 de dezembro em que nos embarcámos, buscou aos mandarins para se despedir deles, e lhe deixou Tiezu ou papéis de visita por não os achar em casa, excepto o Ciam Kum ou generalíssimo das armas. No dia 10 logo de manhã buscaram alguns mandarins ao embaixador na barca para o visitarem e se despedirem dele, mas escusou-se-lhe a visita, e só se lhes aceitaram os Tiezu ou papéis de visita, que consigo costumam sempre levar e entregar, ainda quando não falam com a pessoa que buscam, ao qual correspondeu o mesmo embaixador com outros; e os mais mandarins que o não foram buscar em pessoa o visitaram com os mesmos Tiezu, a que se lhes correspondeu com outros, e não é novo, antes sim muito prático o visitarem-se os mandarins na China com papéis de visita, e nem tão pouco se estranha o não se receberem os que visitam em pessoa. Logo no mesmo dia, depois de jantar, principiámos a nossa viagem pelo rio acima, e constava o acompanhamento do embaixador das embarcações e pessoas seguintes: Em primeiro lugar ia uma barca, em que iam alguns chinas com charamelas e tamboril, com que ordinariamente tocavam, principalmente quando passávamos junto de alguma cidade, vila, ou vigia (são estas vigias, como atalaias, em que assistem soldados para os avisos, e para a guarda dos que navegam, e se acham de légua em légua por todo o caminho até à Corte de Pequim); seguia-se logo uma barca de mandarim, em que ia o embaixador, e nesta mesma barca iam também as coisas seguintes: uma bandeira grande verde com as armas reais sustentadas por dois anjos na popa, mais outra bandeira também verde, e mais pequena, no mastro grande com as letras Ki Si Kue chin Kim ho, que na nossa língua vem a dizer “o reino do remoto Ocidente manda um grande a dar parabéns”. Aos lados da proa iam duas tábuas vermelhas, e em cada uma delas escritas com caracteres as palavras Ki Si Tagin36 que querem dizer “o grande homem do remoto Ocidente”. E na mesma proa iam mais algumas bandeiras pequenas da mesma cor das outras. Depois se seguia outra embarcação em que iam o vice-reitor do Colégio de Macao, que também ia por intérprete, e outro padre mais que ouvia ao embaixador de confissão, e lhe dizia missa quando a queria ouvir. Seguiam-se mais outras barcas, uma também de mandarim 36 Tagin, tá-jin 大人, quer dizer em chinês “grande homem”; tratamento que se dá aos mandarins de elevada categoria, aos visitadores imperiais e aos embaixadores. Dalgado, “Tagin, Tá-jin” 2:337.

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