Relação Oficial da Embaixada do Rei D. João V de Portugal ao Imperador Yongzheng em 1725-1728 208 embaixador que a queria dar ao Imperador na forma que se tinha praticado com o embaixador de Moscóvia, e nisto se veio por último a consentir, sem embargo de que dizia o mandarim, que isto era contra a sua grande cerimónia, de que os mesmos régulos usavam nas funções públicas, em que davam memoriais ao Imperador, e que só em mão própria se lhe entregavam os memoriais de menos conta, e de pessoas ordinárias, com quem se não praticava a solenidade e aparato da sua Taly63 ou grande cerimónia. No dia 23, em que ainda não estava resoluto o ponto, e modo de entrega da carta, mandou o mesmo régulo 13 ir à sua presença os padres António de Magalhães, André Pereira, e Domingos Parreni; e quando os mesmos padres se resolveram, vieram dizendo que o mesmo régulo se havia irado contra eles sobre a entrega da mesma entrega, digo carta, imputando-lhe que eles tinham metido estas coisas na cabeça ao embaixador; e respondendo-lhe, que o mesmo embaixador tinha visto nas gazetas o que sucedeu ao embaixador de Moscóvia sobre a entrega de outra semelhante carta, replicou o régulo dizendo: “pois se ele vem examinar as gazetas, dizei-lhe que as examine, e se vá embora; se o Moscovita dissesse nas gazetas, que nós os régulos lhe batemos cabeça, havia o vosso embaixador querer também, que nós lha batêssemos? Nós o queríamos tratar com honra, mas já que assim quer seguir o exemplo do Moscovita, será tratado como ele, e se usará a respeito da carta que traz, o mesmo que se usou com o embaixador de Moscóvia; o vosso embaixador ir-se-á, e vós quereis ir com ele”. E dizendo-lhe os padres que não queriam ir com o embaixador, tornou o régulo a continuar dizendo: “olhai vós, o embaixador, e nós somos agora como dois barcos, que se juntam, e vós ora pondes os pés em um, ora em outro, mas se os barcos se desunirem podereis cair, e ficar debaixo”. Mais nos contaram os mesmos padres, que lhe dissera o régulo, falando sobre a entrega da carta, como por ironia: “sim o nosso grande Tribunal dos Ritos, errou quando ensinou a grande cerimónia; o Moscovita, atrás de uma impertinência vinha com outra, e assim será agora o vosso embaixador: o vosso embaixador não será como o Moscovita, mas não seja ele como os do Papa”. Sem dúvida porque receava, que o nosso embaixador também falasse no ponto da religião, em que ainda que sem fruto, falaram os dois padres Carmelitas, que o Papa no ano de 1725 também mandou com carta e mimo para o Imperador, e a quem, porque assim falaram na presença do Imperador, deu ao depois o mesmo régulo uma grande repreensão. O mesmo régulo na primeira ocasião que chamou à sua presença os padres António de Magalhães e Domingos Parreni lhe perguntou, se a carta de Sua Majestade continha algumas coisas do desagrado do seu Imperador, e mostrando-lhe a cópia da mesma carta, que já levavam vertida, lendo-a o mesmo régulo, dizem, que reparou logo no tratamento de amigo, que Sua Majestade dava ao mesmo Imperador, mas que não fez mais que dar a conhecer o seu reparo com o movimento do semblante; e que lendo a cláusula “Vossa Majestade lhe pode dar inteiro crédito a tudo o que em meu nome lhe representar”, reparara e dissera: Heu muen, que foi o mesmo que dizer temos porta travessa; ficando por este modo o régulo entendendo que o embaixador levava negócio de mais do que a carta continha, e que o mesmo régulo continuou mais nesta ocasião, dizendo: “conheço que este homem não é como o Moscovita, que tinha negócio de contrato, mas não 63 Tali (chin. 大吏 Tá-li). Grande cerimónia na China. Dalgado, “Tali” 2:344.
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