Relação Oficial da Embaixada do Rei D. João V de Portugal ao Imperador Yongzheng em 1725-1728 216 tantos benefícios, queríeis também que caísse sobre ele a má reputação de uma tal acção? Nós somos Muoncheu (id est tártaros) e Hoangti (id est imperadores da China); quereis vós que depois de termos conquistado os chinas vos ajudasse a fazer largar a sua religião, não valendo à vossa? Os Iou (id est os letrados) honram ao Tien id est ao Céu ou o Autor do Céu (como os mais querem) e depois que vós aqui estais lhe haveis acrescentado o Chu como se na letra do Tien o Chu não estivesse também, e não fosse tudo uma mesma coisa?” E aqui se meteu o Imperador a recitá-los etc.: “eles têm tudo e contudo, vós não cessais de lhe dizer injúrias, e de lhes reprovar que eles adoram umas estátuas de pau e terra. Isto não é porém o que eles adoram, mas sim o que as estátuas representam, da mesma sorte que as vossas imagens do Tienchu”. Parreni: “Tudo isso assim é, pois que Deus nem materialmente se pode figurar”. Imperador: “Nem o Fó se pode representar também, e vem a ser tudo a mesma coisa. Mais conheceis vós a natureza do Tienchu, id est, de Deus? Que provas tendes vós do que nos dizeis da vossa religião? Parreni: “Temos as Escrituras Sagradas, que são a palavra de Deus”. Imperador: “Bom, e quem não tem as mesmas Escrituras? O ponto está em as entender. Não se acham dois europeus, que saibam bem a sua religião, todos os mais são muito ordinários. O mesmo sucede aos Jukiau”, ( id est aos da lei da razão, que são os letrados), e aos lamas, (id est, bonzos tártaros), que adoram o ídolo Fó aos Hoxam, e Tauzu, (id est, bonzos da China); todos eles sabem que houve um Fó, um Confúcio, um Lau Kum, e um Yu hoang, e apenas se acharam dois, que saibam o fundo da sua religião, todos os mais enganam ao povo com embustes. Conheceis vós a natureza de Deus, e de todas as coisas? Conheceis vós a vossa própria natureza? Não é o mesmo ler os King (id est os livros clássicos da China), que aprender o que eles contêm, é necessário discorrer e penetrar. Ide, pois discorrer, e tornai a discorrer, e depois vinde disputar comigo, ou para melhor dizer vinde todos os dias à minha escola, que eu vos ensinarei” (e aqui se meteu também a rir o mesmo Imperador). Agora tocando o Imperador no embaixador, continuou dizendo assim: “Me té Lo fala como que se tivesse publicado que os europeus tinham cometido culpa, e que por isso os havia castigado, porque diz que se devem distinguir os bons dos maus ‘moyeu ximó pu hau’; porque se o fossem, eu os teria já expulsado daqui e de Cantão. Será isto porque eu tema ao rei da Europa? Assim que não há que fazer entre eles distinção alguma. Se eu achar que os europeus ofendem as leis do meu reino, eu os castigarei sem prejudicar aos que estiverem inocentes.” Parreni: como o Imperador tocasse no embaixador, eu lhe disse que “nós não tínhamos pedido que rogasse por nós”. “Eu o creio” respondeu o Imperador, “pois que nem a ele, nem a outros tocava o pedir-mo, a vós outros é que toca o rogar-me; se vós entendeis que as minhas ordens são injustas, e que vos oprimo, a vós toca somente disputar; e a vós se eu pudesse, é que concederia o que se me pede. Que faria o Papa, e os outros reis
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