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Relação Oficial da Embaixada do Rei D. João V de Portugal ao Imperador Yongzheng em 1725-1728 224 dilúvio. Nos tempos antigos em que os chinas viviam sem os tártaros, tinha cada uma província um régulo, como um pequeno rei, que nela tinha o mero e o mixto Império74, e somente pagava certo tributo ao Imperador, como hoje lhe pagam quarenta e oito régulos, que há na Tartária. Hoje porém que os tártaros são senhores da China, se acham todas as províncias debaixo da imediata protecção, governo e domínio do Imperador, sendo o mesmo quem as provém de ministros de letras, e militares, que a governam; se bem se conservam ainda os mesmos régulos com umas grandes honras, mas sem jurisdição alguma; e andam comummente estes títulos na família e sangue real, ocupando uns o título de primeira ordem, e outros os títulos de segunda, terceira, quarta e quinta ordem; porque tantas são as ordens dos títulos de régulo do Império da China. Esteve o mesmo Império governado por imperadores naturais até o tempo que os tártaros ocidentais o conquistaram, e dominaram por mais de trezentos anos. Estando assim este Império se levantou nele certo capitão china, e com um grande séquito que adquiriu se livrou a si, e a todos os mais chinas da sujeição do tártaro, ficando o mesmo capitão em prémio do seu valor com o mesmo Império, e por sua morte todos os seus descendentes, a quem os nossos europeus chamam Tamingas [大明家], que quer dizer a Família da Grande Claridade. Nesta mesma família dos Tá Mingas se ficou o mesmo Império conservando por muitos anos, até que ultimamente o conquistaram os tártaros orientais, que hoje o dominam, e têm dominado há cento e tantos anos, e sucedeu o caso na maneira seguinte: andavam os chinas em guerra com os tártaros a quem na mesma guerra tinham já morrido alguns reis, e a um deles lhe mataram os chinas, quando na mesma China se levantaram certos ladrões, que a inquietavam, e muito mais por ser no tempo em que os chinas estavam ocupados com a guerra. Vendo-se os chinas neste aperto pactuaram pazes com os tártaros, que lhas aceitaram, e com o pacto de que os haviam de ajudar a lançar os ladrões fora do reino. Na conformidade deste pacto entraram os tártaros orientais na China, e lançaram fora os ladrões como os chinas queriam. Nestes termos se esperava entre os chinas e os tártaros uma boa e segura paz para os tempos futuros; mas como nos mesmos tártaros reinava o ódio que tinham aos chinas pela morte daquele seu rei, que eles lhe mataram, e reinava também neles a ambição e desejo que sempre tiveram de dominar a China, se demoraram por algum tempo na Corte de Pequim, fingindo que descansavam do trabalho, e não era senão porque esperavam um grande socorro da Tartária, com que ao depois se declararam contra os chinas, e lhe roubaram o Império; e estes são os tártaros que hoje o dominam, e o terceiro Imperador tártaro é este que hoje o governa. Logo que o tártaro oriental conquistou a China, obrigou aos chinas todos a que usassem dos vestidos tártaros, e não há dúvida foi uma boa cautela esta de que o tártaro se valeu para se segurar neste Império; porque como nele vivem misturados os chinas com os tártaros, e todos eles falam comummente a mesma língua sínica, se não atrevem nesta forma os chinas a 74 Jurisdição delegada pelo soberano no senhor de vassalos ou em magistrados para julgar as causas e castigar delitos.

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