Transcrição em Português 225 falar, porque não sabem se falam com os tártaros, e se ficam evitando nesta forma os motins e levantamentos de que sempre muito recearam os imperadores da China. Consta o vestido dos tártaros, de que hoje também usam os chinas, das coisas seguintes: umas botas rasas sem joelheira, umas de cetim, e outras de algodão, conforme a qualidade e cabedais de cada um; uns calções largos e compridos que apertam por baixo das mesmas botas; um jubão75 de algodão branco à maneira de um sertum76, que lhe serve de camisa, uma cabaia larga e comprida do feitio de uma nossa alva77, a qual apertam com um vistoso cinto, em que trazem pendentes um cachimbo (menos os mandarins, a quem o traz o criado, para quando eles o pedem), dois lenços brancos, um de cada lado, e juntamente, um estojo que consta de uma faca e dois palitos com que comem; e outros mais instrumentos vários de que usam, e neste estojo consistem todas as armas que se trazem na China, menos a gente humilde, que nem estes estojos traz; e menos também os soldados, que nos actos militares cingem um traçado com os copos para trás; sobre esta cabaia comprida trazem outra como um sobretudo, mais curta e abotoada por diante, mangas largas, e mais curtas que as da outra, que as têm compridas até caírem nas costas das mãos, à maneira de luvas, a que chamamos de alçapão78. Finalmente conservam os chinas e tártaros a barba, e sobre a cabeça que costumam rapar, menos uma trança que todos conservam; trazem os mesmos um barrete de cetim redondo forrado de peles, umas mais preciosas que outras, segundo a qualidade do sujeito. Isto que dissemos dos chinas, não é assim a respeito das mulheres, porque assim as chinas como as tártaras, conservam os seus vestidos antigos, com que há muito pouca diferença entre elas, suposto que haja muita entre os costumes de que umas e outras usam; porque as chinas desde que nascem trazem os pés muito apertados para que lhe não cresçam, e assim os têm demasiadamente pequenos, e andam como se fossem aleijadas; e o cabelo de cuja composição cuidam muito, o ajuntam e atam sobre a cabeça, e depois o ornam muito bem de flores; e pelo contrário as tártaras têm os pés que lhe dá a natureza, e usam de sapatos rasos, como os homens usam, quando não trazem botas; o cabelo também o ajuntam e adornam de flores, mas em duas ametades, uma para cada lado da cabeça. São também as tártaras mais correntes e comunicáveis que as chinas, porque andam pelas ruas sem embaraço, e usam de cachimbos; e pelo contrário, as chinas saem poucas vezes fora, e estas fechadas em cadeiras para não serem vistas; podendo-se dizer das chinas em geral, o que dizemos das mulheres europeias, a que chamam recolhidas; e daqui vem a grande dificuldade que há de se converterem as mesmas chinas, pois a há para se catequizarem e instruírem, pelo muito que os pais e maridos as zelam, não a havendo da sua parte para serem católicas; porque não têm os impedimentos 75 Jubão, da palavra aljuba de origem árabe. O mesmo que gibão. Vestimenta antiga usada pelos homens, que ia do pescoço à cintura. 76 ertum (ou certum, séc. 19). Colete de mulher ou de homem. Talvez do fr. surtout (cp. surtum). 77 Veste talar de linho branco que o sacerdote católico usa para celebrar cultos religiosos. 78 Peça de tecido que se sobrepõe a uma peça de vestuário, semelhante a “peça de tecido usada para tapar a abertura da braguilha de calções ou calças” (forma do verbo alçar + pom, forma antiga de põe, do verbo pôr).
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