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Transcrição em Português 231 dos doutores em Pequim. Não são porém os ditos privilégios, nem outras algumas honras hereditárias na China, como cá na Europa, porque só as consegue quem por si as merece, sem atenção aos cargos e dignidades que ocuparam os seus progenitores, podendo-se dizer deles o que disse o Poeta: “et genus, et proavi, et quae no fecimus ipsi, vix ea nostra facimus”82. Falamos, porém, regularmente, porque algumas honras e privilégios há na China, que passam aos descendentes. Neste Império da China se não deixa a Majestade facilmente ver de seus vassalos, e nem facilmente se lhe dão imediatamente as petições, ou memoriais, mas sim por via dos tribunais competentes, que primeiro lhos consultam. Tem esta Majestade junto de si para os despachos certos ministros, que chamam Kolau [閣老], que são como conselheiros do seu estado; e quando esta mesma Majestade sai para Yuen Min Yuen [圓明園], que é a sua quinta, e quer dizer o Jardim de Perpétua Claridade, aonde o mais do tempo assiste; tomam-se as bocas das ruas por onde passa, para que o não vejam e muito menos à imperatriz e rainhas suas mulheres, e infinitas concubinas, de que igualmente se serve. O estado, com que esta Majestade sai para a quinta (porque pela cidade consta que passasse nunca) é uma majestosa cadeira carregada por oito chinas, e grande número de magnatas e mandarins de palácio que o acompanham, uns de cavalos e outros em cadeiras, mas estas a quatro. É finalmente este Império da China, sumamente dilatado, muito abundante, muito político, e sobretudo muito bem governado, e também muito rico, porque só em prata reduzida ao valor da nossa moeda consta ter o Imperador de renda em cada um ano duzentos e vinte e seis milhões trezentos e tantos mil cruzados, e isto só em prata na China, porque não falamos nos muitos e diversos tributos, que os chinas também lhe pagam, e juntamente quarenta e oito régulos que há tributários seus na Tartária; mas também são excessivos os gastos que faz o mesmo Imperador em obras públicas por todo o Império, e na sustentação de inumeráveis ministros de letras e militares, e soldados que há em todo o Império, de mais de outros gastos de que eu não posso dar notícia, e me contento com as que ficam escritas, as quais todas devi ao meu trabalho, e diligência que sempre fiz por me capacitar das coisas deste Império da China, a quem Deus Nosso Senhor abra os olhos para que reconheçam os erros em que vivem, e abracem a verdadeira religião, que os nossos europeus lhe vão pregar à custa de tantos descómodos e trabalhos, e sem mais interesse que o da própria salvação. Lisboa Ocidental, 10 de março de 1729. Francisco Xavier da Rua, Prior de Requeixo, a fez 82 “E a raça, e os antepassados, e o que não fizemos nós mesmos, dificilmente fazemos por nós mesmos”, Ovídio, Metamorfoses 140161.

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