Jorge Godinho - Direito do jogo - ABAMAPLP

16 JORGE GODINHO ou surpreendente ― mas representa um trajecto multipolar que logo à partida se anuncia particularmente complexo. A investigação aqui empreendida procura naturalmente abarcar todas estas dimensões e não se cifra num discurso em redor da chamada «indústria do jogo». Deste modo, de um ponto de vista académico e prático, o tema pode ser uma tábua de ensaio da compreensão de certas formas de articulação de dados provenientes de diferentes ramos de direito, com vista à unidade da ordem jurídica. b) O jogo acena de modo tentador com a possibilidade de realizar o sonho, aspiração ou utopia que é viver sem ter de trabalhar. É enorme o poder de atracção de lotarias ou jackpots onde é real ― embora extremamente remota ― a possibilidade de mudar de vida e passar a navegar sem ter de remar. O jogo torna numa realidade palpável o sonho de um atalho rápido para uma vida melhor. Mas viver sem trabalhar sempre foi objecto de condenações morais de todo o tipo; e as actividades de jogo sempre foram vistas como improdutivas. O mundo do trabalho contrapõe-se diametralmente ao domínio onde o jogo se inscreve, o do ócio, do entretenimento, da diversão e do prazer. Em geral, a regulamentação dos ócios, prazeres ou vícios (tabaco, álcool, drogas, sexo, jogo) sempre foi e pelos vistos sempre será matéria de grande sensibilidade ética, política e social, e, por isso, susceptível de produzir uma miríade de respostas às duas questões de base que o poder político se coloca sobre cada forma de jogo: legalizar ou não e porquê e, em caso positivo, em que termos concretos. Haverá aqui que fazer alguma análise político-social, que por vezes se reflecte com clareza nas construções dogmáticas dos juristas. Considerando não apenas Macau, a cartografia resultante tem sido historicamente algo móvel e propensa a avanços e retrocessos pendulares da fronteira entre o lícito e o ilícito ― com um cortejo de mutáveis preocupações sociais, campanhas públicas de «limpeza» ou outras iniciativas análogas por vezes resultantes de populismos instigados por moral entrepreneurs.Ainda que autorizado, o jogo não deixa de ser um moving target político-económico-social, como o demonstra, no caso de Macau, a sua história, feita de períodos de estabilidade intervalados de momentos de mudança brusca, dando origem a épocas muito marcadas e diferentes entre si. Mesmo onde certas formas de jogo comercial sejam lícitas, surgem ainda assim múltiplas vias de procurar conter uma sua desmedida expansão, que por vezes se intensificam. Em todo o caso, em Macau a evolução é muito menos acidentada do que noutros portos, embora se avistem na sua história algumas descontinuidades em virtude de transformações de visão política sobre a indústria em geral, ou sobre certos segmentos da mesma, ou em relação a uma sua configuração concreta, no quadro de uma gestão pública algo centrada na

RkJQdWJsaXNoZXIy MTQ1NDU2Ng==