Jorge Godinho - Direito do jogo - ABAMAPLP

24 JORGE GODINHO patrimonial do perdedor para o vencedor. O jogo a dinheiro comporta dois aspectos estruturais objectivos. O primeiro é o aspecto lúdico-aleatório, que resulta do jogo em si mesmo considerado, das suas regras e da imprevisibilidade objectiva ou subjectiva do resultado. O segundo é o aspecto patrimonial, que resulta de um clausulado económico-financeiro estatuído pelas partes, sobre qual o património que é arriscado e qual será o seu destino como resultado do desfecho do jogo. Esta realidade,que decorre do somatório dos aspectos aleatório e patrimonial, deverá ter uma causa ou função económico-social lúdica, sem a qual haverá porventura um qualquer negócio patrimonial aleatório ou de risco, mas não um contrato de jogo, de aposta ou de lotaria. Assim, o jogo a dinheiro é a deliberada exposição a uma álea, com função lúdica, de que resulta um risco de ganhar ou perder património, de acordo com o desfecho do jogo. Um contrato de jogo lato sensu é um contrato aleatório com função lúdica que cria a chance de adquirir património. Os elementos essenciais de todos os contratos de jogo são três: o património arriscado pelos participantes (a aposta); o que recebe quem ganhar (o prémio); e como se joga, ou seja, como se decide ou apura o vencedor (a álea lúdica). O jogo a dinheiro varia no tempo e no espaço, mas é em si um fenómeno constante, desde logo por ter uma base antropológica. O jogo dá satisfação a uma permanente propensão humana para o risco ou incerteza, da qual, segundo os ensinamentos da psiquiatria, um certo número de indivíduos retira prazer, quer durante o desenvolvimento do jogo (p. ex., quando observa a roleta a girar ou vira de modo deliberadamente lento uma carta no jogo do Bacará) quer em face do resultado. O prazer é sentido através de reacções de tipo não extremamente diferente das provocadas pelo sexo, pelo álcool, pelo tabaco ou pelas drogas, com libertação de dopamina2. O que coloca a problemática do vício ou dependência 2 Cfr. American Psychiatric Association, Diagnostic and statistical manual, 5.ª ed.,Washington DC, 2013 (trata-se do volume conhecido como «DSM-V»), cujo capítulo sobre «substance-related and addictive disorders» passou na 5.ª edição a incluir o jogo patológico (gambling disorder) em ligação com o consumo de drogas. Tal deve-se a «evidence that gambling behaviors activate reward systems similar to those activated by drugs of abuse and produce some behavioral symptoms that appear comparable to those produced by the substance use disorders» (481). Cfr. David Linden, The compass of pleasure. How our brains make fatty foods, orgasm, exercise, marijuana, generosity, vodka, learning, and gambling feel so good, Penguin, Londres, 2011, 126 ss, reconhecendo a validade de uma definição geral de vício ou dependência que recobre várias actividades incluindo o jogo, já que todas elas causam a libertação de dopamina. No caso do jogo em particular, para além de uma libertação se o desfecho do jogo é positivo, observa-se logo uma libertação de dopamina na fase em que se aguarda o resultado, em que se está «em jogo».

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