Jorge Godinho - Direito do jogo - ABAMAPLP

40 JORGE GODINHO 6. Dados e cartas O jogo em que objectos de valor económico são intencionalmente arriscados sempre existiu. O facto está documentado em quase todas as civilizações e culturas. Desde há milénios que as sociedades humanas experimentam intencionalmente com a sorte e o azar, seja como uma forma de comunicar com os deuses ― de conhecer o seu pensamento e a sua vontade, através de práticas divinatórias ―, de modo puramente lúdico ou já com repercussões patrimoniais34. Embora seja possível jogar com quaisquer objectos ― moedas, botões, pedras ou muitos outros ―, ou sem a eles sequer recorrer, como nas apostas, importa agora destacar a especial inovação que foi a invenção de objectos talhados especificamente para jogar e que não têm outro propósito útil. Na base de muitas tipologias de jogo estão efectivamente objectos ou processos concebidos especialmente para tal e que constituem uma fonte de álea, ou seja, um método de obtenção de um resultado que à partida é imprevisível: vários tipos e combinações de moedas, dados, baralhos de cartas, roletas, tômbolas, rodas da sorte, processos mecânicos, programas informáticos que geram valores aleatórios (random number generator) e outros. O mais antigo dispositivo de jogo é o dado, que tem milhares de anos de história. O dado foi conhecido em todas as grandes civilizações: China, Índia, Pérsia, Babilónia, Egipto, Grécia antiga, Roma clássica, América do Sul, México e África. No entanto, os aborígenes australianos, os polinésios e alguns povos do Ártico e de regiões remotas da Índia e da América do Sul não o conheceram35. O primeiro tipo de dado foi o astragalus, um osso da falange das ovelhas e cabras. Devido à sua forma alongada, este osso só tem quatro lados estáveis, que de resto não têm a mesma forma mas em todo o caso permite de modo aleatório obter um de quatro resultados possíveis36. O astragalus foi igualmente usado para efeitos divinatórios37 e subsistiu até tempos relativamente recentes. Houve emissões de moeda na Grécia do séculoVI aC com imagens de astragali.A pintura 34 O jogo com repercussões pessoais (p. ex., em que se jogue a liberdade ou mesmo a vida) é evidentemente nulo na actualidade, mas foi amplamente praticado no passado. 35 David Schwartz, Roll the bones.The history of gambling, Gotham Books, Nova Iorque NY, 2006, 8. 36 Cfr. Garth H. Gilmour, «The nature and function of astragalus bones from archaeological contexts in the Levant and Eastern Mediterranean», in Oxford Journal of Archaeology, vol. 16(2), 1997, 167 ss; Henry Koerper e Nancy Whitney-Desautels, «Astragalus bones: artifacts or ecofacts?», in Pacific Coast Archeological Society Quarterly, vol. 35(2-3), 1999, 69 ss. 37 W. R. Halliday, Greek divination.A study of its methods and principles, MacMillan, Londres, 1913, 207.

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