42 JORGE GODINHO incluindo o Xadrez e o Gamão. O surgimento de um novo e dir-se-ia revolucionário instrumento de jogo ― o baralho de cartas, constituído por um conjunto de naipes hierarquizados, com algumas cartas dotadas de estatutos especiais ― contribuiu para o advento de uma muito maior variedade de combinações e jogos. É provável que tenham surgido primeiro na China42 ou na Coreia a partir de setas usadas para fins divinatórios no século VI dC, tendo-se estabilizado um baralho de 80 cartas com 8 naipes (números 1 a 9 e o General). No século XII na China existiam diversos tipos de baralhos. Na Índia ocorreu uma evolução independente43. O suporte inicial era a cana de bambu; na evolução subsequente o papel tomou o seu lugar. As cartas chegaram à Europa através de Itália durante o século XIV, vindas do Próximo Oriente, e disseminaram-se muito rapidamente em virtude da sua produção em massa a um custo relativamente baixo. O baralho continuou a evoluir na Europa e sofreu várias transformações44, mantendo o imaginário monárquico. As versões europeias do baralho moderno ― com espadas (♠), paus (♣), copas (♥) e ouros (♦), dois naipes pretos e dois vermelhos ― estabilizaram em França no século XV45. A palavra naipe é de origem árabe. Os portugueses introduziram algumas mudanças no baralho latino, utilizando uma versão de 48 cartas que omitiu os «10», ou o baralho de 40 cartas, também omitindo os «9» e os «8». O baralho de cartas europeu espalhou-se de seguida pelo mundo, nomeadamente através dos navegadores portugueses. O «baralho do dragão» português, assim conhecido por ter essa figura no desenho dos ases46, chegou à Ásia47, a todos os países onde aportaram portugueses, incluindo o Japão: o termo karuta deriva de carta48 e há palavras de origem portuguesa relacionadas com o jogo 42 Catherine Perry Hargrave, A history of playing cards, Dower Publications, Nova Iorque NY, 1966 (reedição do original de 1930), 6, apoiando-se nos trabalhos de Stewart Culin (1858-1929). 43 Em detalhe, David Schwartz, Roll the bones (n. 35), 41 ss. 44 Designadamente o aditamento de mais cartas, formando o baralho de 78 cartas conhecido porTarot, usado para o jogo do mesmo nome. O baralho é composto por quatro naipes de 14 cartas cada (cartas de 1 a 10 e quatro figuras) e por 22 cartas adicionais, 21 Trunfos e um Joker. Só mais tarde, a partir do século XVIII, é que este baralho começou a ser usado com intuitos divinatórios, uma prática que continua na actualidade, nomeadamente em círculos ditos «esotéricos». 45 Cfr. David Schwartz, Roll the bones (n. 35), 58. 46 Em pormenor, Fernanda Frazão, História das cartas de jogar em Portugal e da Real Fábrica de Cartas de Lisboa. Do séc. XV até à actualidade, Apenas Livros, Lisboa, 2010. 47 Ana Maria Amaro, «Os jogos de cartas na expansão portuguesa», in Mare Liberum, n.° 10, Dezembro de 1995, 493 ss. 48 Cfr. David Schwartz, Roll the bones (n. 35), 54.
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