Jorge Godinho - Direito do jogo - ABAMAPLP

51 DIREITO DO JOGO por motivos éticos, religiosos80, preventivos ou outros, designadamente associados à valorização do trabalho e à desvalorização do ócio. Tal deve-se ao facto de o jogo ser visto como uma actividade não produtiva ― «jogo» e «trabalho» são entendidos como realidades opostas ―, sendo o jogo uma parte integrante da «baixa cultura». De acordo com as representações mais correntes nenhum valor económico é criado através da realização de apostas ou do manuseamento de cartas, dados ou outros dispositivos análogos. O jogo seria assim uma pura perda de tempo, uma inutilidade social, uma forma de preguiça ou mesmo um factor de corrupção do espírito. Com efeito, ofereceria a falsa promessa de poder enriquecer sem trabalhar; mas visto que não seria produzido qualquer valor acrescentado num jogo de soma nula, redundaria em pura exploração do homem pelo homem. Em termos de valor ético, o jogo a dinheiro pode ser retratado, por um lado, como uma mera diversão, entretenimento, escape ou prazer, com uma base biológica cuja existência é uma constante irrecusável e corresponderá até a um direito fundamental81. Por outro lado, pode ser visto como um pecado e uma forma moralmente errada de tentar ganhar dinheiro sem nada produzir e sem contribuir para o avanço da sociedade. Quanto às suas consequências económicas e sociais, a existência de uma indústria do jogo pode ser vista como uma forma de angariar receitas fiscais para o financiamento de «boas causas», criar emprego, gerar desenvolvimento económico, atrair capitais, povoar novas áreas, promover a «regeneração» urbana, aumentar o turismo, entre outras finalidades sem dúvida desejáveis e meritórias82 ― daqui alguma inclinação para entregar a gestão a entidades sem fim lucrativo. No entanto, pode ser resistida como factor potencialmente criminógeno, criador de estilos de vida desviantes, prostituição, jogo patológico e compulsivo, desprezo pelo próprio, pelos filhos e família e pelo emprego, suicídios, divórcios, crime organizado e uma 80 Para uma oposição ao jogo de um ponto de vista religioso, cfr. Rex M. Rogers, Gambling. Don’t bet on it, Kregel Publications, Grand Rapids MI, 2005. 81 O Estado não pode ter a pretensão de proibir todos os vícios, visando uma sociedade sem tabaco, sem álcool, sem drogas, sem sexo fora do casamento e sem jogo. Uma sociedade que fosse apenas de trabalho e sem qualquer forma de escape ou entretenimento duvidoso, que teria apenas como forma aprovadas a literatura, o teatro, o cinema, a arte, os museus, o desporto e outras actividades «impolutas» não existe nem se crê que possa alguma vez existir. Não parece desejável como princípio nem realizável na prática a proscrição absoluta de todos os vícios. Bastará apenas recordar que, como se sabe, a proscrição apenas serve para criar mercados negros e criminalidade organizada que preenche o vácuo assim criado. 82 Cfr.William Eadington, «Understanding gambling», in William Eadington e Judy Cornelius, Gambling. Public policies and the social sciences (n. 66), 3 ss.

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