Jorge Godinho - Direito do jogo - ABAMAPLP

52 JORGE GODINHO série de outros efeitos negativos para os indivíduos, as famílias e a «fibra moral» da sociedade. Há no entanto uma sua crescente tolerância e aceitação como forma de entretenimento; mesmo assim, as atitudes diferem ainda consideravelmente entre sistemas jurídicos e culturas, não havendo qualquer consenso internacional detalhado sobre o tema. Embora as generalizações sejam sempre arriscadas, na realidade o jogo compartilha de vários dos aspectos positivos e negativos mencionados, movendose na área particularmente complexa e ambivalente onde se situam aquilo a que de um modo geral e pouco rigoroso se poderá denominar de «vícios»: tabaco, álcool, sexo, drogas, etc. Sobre esta matéria deve imperar o princípio liberal segundo o qual as condutas de adultos, em privado, que não causam dano a terceiros, não devem ser proibidas pelo sistema ― embora possam ser limitadas, reguladas ou enquadradas. O posicionamento do sistema jurídico deve ser visto sob dois ângulos: a atitude perante o jogo a dinheiro em geral, entre privados, fora de estruturas formais; e a atitude para com o jogo a dinheiro organizado, oferecido de modo empresarial. O jogo entre privados,fora de estruturas formais,é tolerado mas desencorajado. No caso do jogo organizado as reacções dos sistemas variam mas ainda assim a tendência mais geral, com múltiplas variantes, é a de admitir a existência de uma «indústria do jogo» legalizada ― rodeando-a porém de múltiplas restrições legais e operacionais com o fim de evitar tanto quanto possível os seus efeitos nefastos, que sempre subsistirão em alguma medida. O jogo organizado é autorizado, sendo desencorajado o jogo excessivo83. Trata-se de uma solução de um modo geral pragmática e equilibrada. Não restam quaisquer dúvidas de que uma proibição total da oferta de jogo seria a mera tutela de uma suposta moralidade, onde não se descortinaria qualquer bem jurídico digno de protecção84. Por outro lado, nunca seria eficaz na prática, pois seguramente só iria criar problemas sociais mais graves, designadamente crime organizado: a história e os casos paralelos de outros proibicionismos mostram à evidência que o jogo não iria desaparecer, e 83 Cfr. supra, n. 10 e texto correspondente. 84 Têm aqui lugar, com inteira pertinência, as considerações gerais que podem ser tecidas em redor de quaisquer fenómenos de neocriminalização. Sobre esta matéria, cfr., por todos, Jorge de Figueiredo Dias, Direito penal. Parte geral, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, 124, § 32 ss. (não é possível criminalizar onde o que está em causa é uma pura violação moral ou uma proposição meramente ideológica).

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