Jorge Godinho - Direito do jogo - ABAMAPLP

54 JORGE GODINHO muitas semelhanças, especialmente a inclusão de questões que atravessam de modo transversal a distinção básica entre direito público e privado. Não se trata de um ramo «puro» do direito, mas sim de uma área institucional. No entanto, é um ramo dotado de uma unidade própria, não sendo apenas o resultado de uma colagem de várias áreas especiais: o direito administrativo especial do jogo, o direito civil especial do jogo, o direito penal especial do jogo, etc. Todas estas áreas onde a disciplina se ancora devem ser vistas de um modo integrado e não, como faz a doutrina corrente, como ilhas isoladas que se desconhecem mutuamente e por isso não dialogam entre si. Na impossibilidade de proceder aqui a um levantamento exaustivo das questões suscitadas pela interdisciplinaridade, deixamos de seguida algumas dimensões do problema. Numa abordagem interdisciplinar importa estar ciente da complexidade decorrente das diferentes perspectivas práticas e normativas, bem como do facto de que várias fontes podem ter influência sobre a mesma questão. No plano legislativo, da interdisciplinaridade resulta que não há nem pode haver uma codificação ― pelo menos nos moldes tradicionais ―, já que os códigos respeitam de modo rigoroso as fronteiras entre disciplinas. Logo, assiste-se a uma inevitável dispersão legislativa. Com efeito, cada diploma legal se ocupa de certos problemas muito concretos, numa perspectiva específica, o que pode colocar dificuldades ou dúvidas interpretativas, nomeadamente se um diploma de cepa administrativa tem igualmente implicações contratuais. As dúvidas são frequentes vezes adensadas em virtude de não haver na legislação extravagante um esforço nítido de separar os aspectos de direito privado dos aspectos de direito público86. Os próprios conceitos jurídicos que são usados em fontes diversas têm de ser vistos com extremo cuidado, já que podem assumir em cada contexto uma intencionalidade normativa distinta; conceitos como o de «jogos de fortuna ou um direito contratual» e que deve ser incluído «no grande Continente do Direito privado» (61). A segunda é o direito bancário institucional, que inclui regras de direito público, tendencialmente administrativo, direito das sociedades comerciais, direito privado e «direitos instrumentais e acessórios» (63). Nestes últimos o Autor refere regras de registo e regras contra-ordenacionais (65). O Autor não refere a existência de um direito penal bancário. 86 É exemplo claro desta indistinção de planos a Lei n.º 5/2004, de 14 de Junho, sobre crédito para jogo, que regula com alguma despreocupação sistemática aspectos de direito privado e de direito público. Tentámos separar as águas em Jorge Godinho, «Crédito para jogo em casino», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, ano XII, n.º 25, 2008, 91 ss; versão inglesa deste texto: «Credit for gaming in Macau», in Gaming Law Review and Economics, vol. 10(4), 2006, 363 ss.

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