Jorge Godinho - Direito do jogo - ABAMAPLP

56 JORGE GODINHO A natureza multipolar do direito do jogo significa em último termo que esta área do sistema jurídico verdadeiramente não tem um «centro de gravidade» único, mas sim vários pontos de apoio: administrativo, contratual e penal. O direito do jogo é um triângulo de faces móveis e diferentes cores: verde para o jogo autorizado, amarelo para o jogo meramente tolerado, vermelho para o jogo proibido. O intérprete deve pois proceder com algum cuidado e uma das tarefas de base será a de entender a teleologia e o alcance de cada aspecto da regulamentação. Importará talvez recordar e ter presente, como grelha analítica, a tripartição lógica das normas jurídicas: permissões, obrigações e proibições88, fazendo uma aplicação adaptada a este domínio: a) Permissões: há jogo a dinheiro entre privados (não comercial) que pode existir mas não tem de existir e que neste sentido é meramente permitido ou tolerado pelo sistema, não sendo nem proibido nem estimulado. b) Obrigações: há formas comerciais ou organizadas de jogo a dinheiro que são não só autorizadas mas têm mesmo de existir, sendo obrigatória a sua operação pelas respectivas sub/concessionárias, nos termos dos contratos firmados. c) Proibições: há formas de jogo a dinheiro, ou tipos de apostas, ou práticas (mesmo no âmbito do jogo lícito), ou vias de financiamento, que são proibidas e punidas. A história mostra que cada uma destas três perspectivas arrasta consigo valores, âmbitos, experiências e narrativas próprias. Não há assim um centro de gravidade «originário» outro que não seja a comunidade juridicamente organizada e o poder político estabelecido no quadro constitucional.As políticas públicas são o factor determinante na configuração básica deste ramo de direito, nomeadamente a maior ou menor repulsa pelo jogo a dinheiro e a maior ou menor intenção de o reprimir, limitar, tolerar, permitir, ou de alcançar certos objectivos económicos e sociais e dele obter receitas fiscais. Deste modo, as considerações de direito público assumem alguma primazia dada a existência de um conjunto significativo de normas imperativas, que fazem sentir os seus efeitos ao nível do direito privado, nomeadamente comprimindo a margem de actuação da autonomia privada. Há ainda alguma variabilidade e cadência na produção legislativa e nas actuações administrativas, um fenómeno típico do direito público. 88 Por todos, Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao direito, Almedina, Coimbra, 2013, 208 ss.

RkJQdWJsaXNoZXIy MTQ1NDU2Ng==